29 de dezembro de 2013

2013 em retrospectiva (4): Os melhores livros de ficção científica

Será talvez difícil pensar noutra antologia tão importante para a ficção científica como Dangerous Visions, a ambiciosa e revolucionária colectânea de dezenas de contos de alguns dos mais consagrados autores que o género conhecia em 1967 – assim como algumas estrelas em ascensão e até mesmo escritores de outros temas e géneros. Ao leme do projecto esteve o inevitável Harlan Ellison – enfant terrible da ficção científica, contista exímio, antologista delirante. As suas introduções aos autores deram um cunho invulgarmente pessoal à antologia; os contos, esses, foram naquela época uma demonstração perfeita não daquilo que a ficção científica fora até ali, mas daquilo que ela poderia ser a partir dali. Com autores tão distintos como Lester Del Rey, Frederik Pohl, Robert Silverberg, Roger Zelazny, Samuel R. Delany, J. G. Ballard, John Brunner, Philip K. Dick, Poul Anderson, Larry Niven, Philip José Farmer, Miriam Allen deFord, Brian Aldiss, Norman Spinrad, Sonya Dorman, John Sladek, Keith Lauder, Theodore Sturgeon, Damon Knight ou Carol Emshwiller, entre outros, Dangerous Visions tornou-se no baluarte da “New Wave” norte-americana, mostrando as infinitas possibilidades da ficção científica e chocando os círculos tradicionalmente conservadores do género com o seu carácter experimentalista e o seu arrojo narrativo, estilístico e temático. 45 anos volvidos sobre a sua publicação original, parte do seu shock value ter-se-á sem dúvida perdido – mas a qualidade dos seus textos, essa, continua intocada. 

O magnum opus da ficção científica nacional – lusófona? – data de 1996, e resultou da combinação de dois dos maiores talentos que o género conheceu na língua portuguesa: João Barreiros e Luís Filipe Silva. O resultado não serve para introdução à ficção científica – exige uma leitura atenta, e um leitor mais experimentado nas convenções e nos temas do género. Mas para esses, Terrarium é um tesouro: um vasto romance fragmentado e meta-referencial numa Terra futura na qual a Humanidade partilha o planeta, de forma um tanto ou quanto forçada, com um sem-número de raças alienígenas, exiladas na superfície e no vasto anel orbital composto pelas suas frotas destruídas – e com as enigmáticas Potestades, sempre vigilantes, a impor a coexistência. Num mundo onde as antigas revistas pulp e de comics são relíquias de valor incalculável, várias personagens aparentemente improváveis vão ver os seus destinos cruzarem-se num jogo de poder que, estando viciado à partida, não tem vencedor definido. Poderemos sempre lamentar a falta de desenvolvimento que a ficção científica conheceu, e conhece ainda, no nosso país; mas não deixa de impressionar que um género tão pouco cultivado tenha sido capaz de produzir um romance deste calibre: ambicioso, complexo e extremamente recompensador. 

O britânico M. John Harrison considera esta sua space opera de 1975 a pior coisa que já escreveu na vida. Após lê-la, será talvez inevitável pensar quão boa será a sua obra subsequente, se The Centauri Device já se revela num romance a todos os níveis impressionantes. A prosa magnética e delirante de Harrison começa nos primeiros capítulos a dar forma àquilo que parece ser uma combinação talvez improvável entre a space opera e os policiais noir; mas Harrison cedo começa a desconstruir temas, ideias e convenções para dar forma a um texto revolucionário e influente, de uma riqueza conceptual impressionante e de um fascínio inegável, repleto de imagens que perdurarão na memória dos leitores – da “mais longa festa do Universo” aos fanáticos religiosos do culto dos “Openers”. Um clássico soturno, com um certo tom pessimista e nihilista que se tornaria recorrente uma década mais tarde no advento do cyberpunk

Escrever um romance como Desolation Road não é para todos – e mais impressiona ao saber que foi o primeiro livro escrito por Ian McDonald. Situado num Marte futuro terraformado, e indo beber tanto às crónicas melancólicas de Bradbury como à hard science fiction e ao realismo mágico sul-americano do qual Garcia Marquez é um dos expoentes máximos, McDoland cria um vasto mosaico de histórias individuais de pessoas diferentes – de cientistas a revolucionários, de aviadores a vagabundos, de famílias rivais a aventureiros. E o que toda esta gente tem em comum é Desolation Road – uma aldeia na orla de um vasto e rubro deserto, fundada pelo mais improvável dos acasos por um cientista solitário e na qual parou, durante os anos que se seguiram, todo o tipo de pessoas. Desolation Road segue todas essas personalidades para aquele ponto, e para fora dele, e para dentro dele novamente – e traça uma vasta crónica sobre como um lugar tão insignificante conseguiu ser tão decisivo para os destinos de um planeta inteiro. É um romance com um ritmo intenso, um tom atravessado de melancolia, e mais episódios mirabolantes do que seria sensato descrever por aqui – e um texto único na ficção científica. 

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