24 de fevereiro de 2013

Tolkien: Construtor de Mundos (5): O desconhecido, o medieval e o mitológico

O seminário Tolkien: Construtor de Mundos terminou com três sessões que abordaram facetas menos conhecidas do seu legado literário e académico - e as três sessões estiveram a cargo de professores da Faculdade de Letras. Luísa Azuaga abordou o Tolkien enquanto académico e erudito a partir do estudo que o filólogo fez sobre o fragmento de Finn and Hengest e sobre Beowulf; Pedro Gomes Barbosa explorou os aspectos medievais (ou falta deles) na obra de Tolkien, e Angélica Varandas, a encerrar, centrou a sua sessão na "mitologia para Inglaterra" que Tolkien desejava criar com The Silmarillion.

The Lord of the Rings, The Hobbit e porventura The Silmarillion serão, para a maior parte das pessoas, as obras imediatamente associadas a Tolkien. Mas há toda uma outra faceta de Tolkien na penumbra da sua popularidade literária: o Tolkien filólogo, erudito, especialista em línguas antigas. Numa sessão intitulada Tolkien, esse desconhecido, Luísa Azuaga dissertou sobre essa vertente de Tolkien a partir da história de Finn e Hengest que Tolkien recuperou a partir de duas fontes: do fragmento The Fight at Finnsburh e de uma passagem de Beowulf. De acordo com Luísa Azuaga, Tolkien estudou de forma aprofundada este tema, descrevendo Finn, Hengest e Hnæf como personagens históricas e não lendárias, e os acontecimentos em Finnsburh como verídicos. Os estudos com esta interpretação estão editados no livro Finn and Hengest: The Fragment and the Episode.

Na penúltima sessão, intitulada Buscar o medievo em Tolkien, Pedro Gomes Barbosa começou por referir as várias influências da obra de Tolkien (o cristianismo, as mitologias germânicas, nórdicas e celtas, textos como Beowulf e a Edda poética e em prosa) e elementos que as identificam. Alguns animais com destaque, como os corvos, os lobos e as águias, são associados com frequência a Odin, e tanto os Elfos como os Anões surgem nas mitologias nórdicas de forma muito idêntica à explorada por Tolkien (os primeiros como seres da floresta, os segundos com uma identidade "de carácter telúrico"). Mas estas influências não se notam apenas nas obras ligadas à Terra Média: em The Legend of Sigurd & Gudrún, "fez algo de novo a partir de uma lenda antiga. Quando a elementos medievais propriamente ditos, Pedro Gomes Barbosa defende que há muito pouco de medieval em Tolkien para além da projecção que os próprios leitores fazem: "nós é que encontramos o medieval em Tolkien", diz a dada altura, aludindo à presença no imaginário popular de elementos como as armaduras, as armas, os castelos e os festins. Também os jogos de personagens (com Dungeons & Dragons à cabeça) "colocaram Tolkien na Idade Média" - mas, como o professor refere, é duvidoso que "Tolkien quisesse para a sua obra essa interpretação medieval".

O seminário terminou com a professora Angélica Varandas e a sessão  Uma mitologia para Inglaterra - referindo que esta expressão foi cunhada pelo biógrafo Humphrey Carpenter, devido à ideia de Tolkien que Inglaterra não possuía, ao contrário de outras nações antigas, uma mitologia própria - "há poucos registos mitológicos anglo-saxões, e nem em Beowulf encontramos traços" de eventuais mitologias destes povos. "Os próprios registos celtas foram feitos entre os séculos XI e XV". De acordo com a professora, "Tolkien não queria uma lenda britânica (as lendas arturianas), mas sim britânicas - e isso implicaria "a criação de uma mitologia anglo-saxónica". Esta ideia não surge por acaso, mas enquadrada no movimento de redescoberta das línguas antigas e da origem das nações iniciado no século XIX, no desenvolvimento da Filologia Comparada e na ideia dos "épicos nacionais como fundamento da nação". Mas na criação da sua mitologia (presente em The Silmarillion), Tolkien afastou-se daqueles ideais, não se circunscrevendo "a fontes nacionais", recorrendo "a tradições de outros países" e manifestando preocupações políticas ("na rejeição da máquina e no ódio à guerra - o universo de Tolkien é influenciado pela guerra mas não é uma alegoria desta") que todavia "não tornaram a obra ideológica". Para Tolkien, o mito "não deve ser um documento histórico ou uma alegoria, mas uma história verdadeira tecida pelo poder da linguagem" (ou não fosse ele filólogo), e dá ao mito uma estrutura literária, assente no seu amor pelas palavras. Em Tolkien, "as lendas dependem da linguagem, e a linguagem depende das lendas que transmite por tradição" - como se as histórias tivessem sido criadas para fornecer um mundo para as linguagens, e não o inverso.

O encerramento propriamente dito do seminário ficou a cargo do professor José Varandas, que ao longo do dia cumpriu com entusiasmo, erudição e humor o papel de anfitrião - e deixou a promessa de para o ano, e se possível no mesmo dia, o seminário Tolkien: Construtor de Mundos ter a sua segunda edição.

Imagem: Finn & Hengest, de John Howe

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