20 de maio de 2013

Antologia Lisboa no Ano 2000 em debate no Clube de Leitura Bertrand do Fantástico

No passado dia 10 de Maio, o Clube de Leitura Bertrand do Fantástico de Lisboa regressou às suas sessões mensais, após um interregno de alguns meses e com um novo ponto de encontro - do anexo da Bertrand no Chiado passou para um espaço entre prateleiras na livraria do (quase abandonado) centro comercial Picoas Plaza. Já o moderador manteve-se - e para esta sessão em casa nova o Rogério Ribeiro escolheu como livro para debate a antologia Lisboa no Ano 2000, organizada por João Barreiros e publicada no ano passado pela Saída de Emergência (sobre a qual escrevi aqui). A acompanhá-lo estiveram João Ventura, Telmo Marçal e Guilherme Trindade, autores de três dos 17 contos incluídos na antologia.

Para João Barreiros, a gestão de um grupo de 14 autores (e mais alguns potenciais que, por motivos diversos, ficaram de fora) para este projecto foi feita "aos bochechos" - o arranque oficial deu-se no Fórum Fantástico de 2011, com a apresentação do projecto e a exibição de algumas imagens alusivas ao tema. "As participações chegaram às pinguinhas durante dois anos", recorda Barreiros, perfazendo um total de "34 participantes", ainda que a qualidade das submissões tenha sido tudo menos equilibrada. "Algumas eram terríveis; outros autores faziam sugestões e nada mais; houve mesmo um que queria meter Salazar como primeiro-ministro imortal", conta, recordando também outros anacronismos comuns, como o do plástico, ao qual nem o próprio escapou.

O mais interessante de Lisboa no Ano 2000 é o facto de todos os contos fazerem parte de um universo partilhado - algo que não estava de todo planeado quando João Barreiros escreveu o conto que serve de mote à antologia, O Turno da Noite, publicado originalmente na revista "Bang!". As inspirações para o conto - e mais tarde para a antologia - foram diversas, passando por autores como Robida, Wells, Salgari, Kipling e Mello de Matos. Num primeiro momento, a ideia passou por colocar contos num blogue, o que ajudou naquela fase; mas cedo o projecto descolou desse formato. Sobre a interligação entre os vários contos, João Barreiros alude a "pequenas coincidências entre contos, ideias comuns, e uma sincronicidade muito grande que não consigo explicar."

Já no que diz respeito à possibilidade de voltar a escrever no universo de Lisboa no Ano 2000, João Barreiros afirma que "gostaria de continuar", tendo "ideias para vários contos" - ainda que de momento esteja centrado apenas em antologias. 

Os autores presentes também tiveram a oportunidade de falar um pouco sobre os seus contos e a sua participação na antologia. João Ventura, autor do conto Energia das Almas, recorda ter partido da premissa estabelecida por João Barreiros, inspirado pelas suas leituras sobre as teorias de MacDougall sobre o peso das almas (21 gramas) e, claro, sobre a relatividade de Einstein. Telmo Marçal, que participou na antologia com o conto O Obus de Newton, diz gostar muito do conto que escreveu, e que este - o segundo que fez para a antologia - lhe permitiu explorar várias ideias, de conceitos de Verne ao canibalismo brasileiro. Guilherme Trindade, autor de Taxidermia, admite querer sair do tema dos espectros, apelativo para vários autores, tendo por isso optado por centrar a sua história numa parte pouco explorada de Lisboa - o Jardim Zoológico - para nela abordar o tema da "natureza conquistada" e da vida natural da desaparecer (inspirando-se também no clássico Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick). 

No debate, Luís Filipe Silva destacou o carácter "arrojado e improvável" de Lisboa no Ano 2000, não deixando porém de chamar a atenção para um detalhe muito curioso: a "falta de visão de império". Na viragem do século XIX para o século XX, Portugal, recorda, "era vasto; hoje estamos limitados a esta pequena terra". Referências imperiais estão de facto, e em termos gerais (há uma pequena excepção), ausentes da antologia - algo que Luís Filipe Silva explica por "os autores serem sempre influenciados pela época em que vivem". Uma tendência que, sublinha, "acompanhou a ficção científica ao longo do século XX".

O debate animado foi interrompido pelo encerramento muito pontual da livraria às 20:00 - adiando a conversa para um restaurante próximo. Em breve serão anunciadas a data da sessão do próximo mês e as obras em debate. 

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