18 de abril de 2013

The Walking Dead: O triunfo narrativo da Telltale Games

No que aos videojogos diz respeito, poucas vezes o termo sleeper hit terá sido tão bem aplicado como a The Walking Dead, jogo desenvolvido pela Telltale Games em 2012. É certo que o universo pós-apocalíptico de Robert Kirkman se tornou muito apelativo por outros meios após o sucesso do comic e da sua adaptação para série televisiva; mas a verdade é que pouca gente esperaria que uma aventura gráfica point and click - um género longe de ser popular - se tornasse num dos grandes sucessos de 2012, recebendo a aclamação geral da crítica especializada e conquistando vários prémios de Game of the Year perante títulos à partida mais fortes, em géneros com maiores audiências. The Walking Dead, porém, conseguiu isto tudo - e isso deveu-se sobretudo à extraordinária narrativa tecida pela Telltale Games ao longo dos cinco episódios que compõem o jogo.

E essa narrativa assenta em dois protagonistas no mínimo invulgares. Se na maioria dos videojogos o "avatar" do jogador é um herói ou um anti-herói (acidental ou não), aqui é um indivíduo comum: Lee, um ex-professor universitário oriundo de Macon, Georgia, condenado por homicídio. Quando a aventura começa, Lee está a ser transportado para a prisão onde irá cumprir pena, mas um choque frontal com o apocalipse zombie (literalmente) leva-o a conhecer Clementine, uma menina de oito anos que, na ausência dos pais e no desaparecimento da babysitter, se refugiou na sua casa de árvore. Para todos os efeitos, é a partir do momento em que ambas as personagens se conhecem que é definido o objectivo de The Walking Dead: guiar Lee pelo mundo infestado de mortos-vivos concebido por Robert Kirkman enquanto este toma conta de Clementine, procurando um lugar onde possam encontrar alguma segurança. E para isso, o jogador, por intermédio de Lee, terá de tomar muitas decisões difíceis.


Na prática, The Walking Dead é um videojogo assente apenas na escolha, moldando a narrativa de acordo com as opções tomadas. Isto, em si, não é novo: muitos são os jogos de role-play que recorrem a um mecanismo idêntico para dar às suas histórias uma maior densidade, envolvendo o jogador de forma mais profunda nos acontecimentos (e gerando um maior replay value). Títulos que já aqui referi várias vezes, como The Witcher ou Mass Effect, assentam no mesmo pressuposto, com o último a transportar com relativo sucesso as opções tomadas ao longo de três títulos. Uma espécie de choose your own adventure, portanto, na qual cada jogador não tem um mas vários caminhos que pode seguir, dependendo do critério que aplicar em cada momento de decisão. A verdade é que, por mais difíceis que sejam as decisões em Mass Effect ou The Witcher, nenhuma é tão difícil como as principais decisões que o jogador tem de tomar em The Walking Dead - como nenhuma delas tem um impacto emocional tão grande. Por mais difícil que tenha sido escolhar entre Kaidan e Ashley, ou entre Triss e Shani, nenhuma destas escolhas foi tão difícil como decidir o que dizer a Clementine a propósito do provável destino dos pais dela. E é neste ponto que The Walking Dead se distingue dos demais, não tanto pela utilização abundante da escolha múltipla, mas pelo elevado impacto emocional de cada decisão.


Juntos, Lee e Clementine vão encontrando várias personagens - algumas comuns aos comics, como Glenn e Hershell, mas na sua maioria exclusivas da aventura escrita pelos autores da Telltale. O elenco é sólido e em geral bem desenvolvido, com cada personagem a ser caracterizada de forma individual e única, e sempre acrescentando algo à história. Se algumas personagens não ficam na memória, outras perduram muito para lá da conclusão do jogo - e em conjunto, todas oferecem um sem-número de interacções possíveis e de desfechos mais ou menos trágicos. Não há em The Walking Dead heróis no sentido convencional do termo, e mesmo os vilões são escassos (e com motivos quase sempre compreensíveis no contexto daquele universo - excepto um caso muito especial). Muitas das personagens vão inevitavelmente morrer no decurso da narrativa - ou não fosse esta uma história de zombies. E algumas são surpreendentes e chocantes, reforçando a mensagem na qual assentam tanto o comic como a série televisiva: no zombie apocalypse, os mortos-vivos podem não ser a maior ameaça.


The Walking Dead foi disponibilizado em cinco episódios lançados entre Abril e Novembro do ano passado - um modelo invulgar para o meio (mais habituado a expansões ou, nos dias que correm, DLC) que  permitiu à Telltale introduzir melhorias constantes ao longo dos episódios, e analisar as várias opções tomadas pelos jogadores para melhor determinar a evolução da narrativa. No final de cada episódio (e do jogo), os jogadores podem aceder às estatísticas globais de The Walking Dead, e comparar as suas opções com as decisões tomadas por toda a gente que completou o episódio ou o jogo. O que, por estranho que possa parecer, se revela num exercício muito interessante.


É certo que The Walking Dead não está isento de falhas, mas estas acabam por ser quase irrelevantes perante a excelente narrativa que o jogo oferece. Talvez pudesse incluir mais puzzles - o do comboio no terceiro episódio foi interessante, e mais alguns do mesmo género seriam decerto bem vindos. Talvez pudesse ter os momentos de acção um pouco mais fluídos - algo talvez difícil dadas as limitações do género. Opções que decerto a Telltale Games considerará para a segunda temporada deste título, já confirmada. 


The Walking Dead podia ser apenas mais um tie-in de um comic e de uma série televisiva de sucesso, destinado apenas a fazer dinheiro fácil junto de uma audiência já estabelecida e ávida por mais conteúdos (como foi, pelos vistos, The Walking Dead: Survival Instinct). A Telltale Games, porém, quis ir mais longe e mostrar - como se ainda houvesse dúvidas - que não só é possível trazer um género antiquado para a ribalta, como também é possível contar através de um videojogo uma história extraordinária tanto de um ponto de vista narrativo como de um ponto de vista emocional. O resultado foi um jogo magnífico, cujas falhas são largamente compensadas pelo seu enredo excepcional e um por um final absolutamente espantoso. Quem procura um jogo de zombies mais orientado para a acção deverá procurar outro título - mas quem quiser uma boa história bem contada, não precisa de ir mais longe. 10/10

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