22 de março de 2013

Moving Pictures, ou a magia do cinema em Discworld

Publicado em 1990, Moving Pictures é o décimo livro da vasta série Discworld, de Terry Pratchett - o célebre mundo plano, em forma de disco, assente em quatro elefantes sobre Great A'Tuin, a tartaruga cósmica. E para a décima aventura, Pratchett decidiu deixar de parte personagens já estabelecidas como as bruxas de Ramtops, Rincewind ou a Patrulha da Noite (não completamente de parte, pois haverá cameos) para, tal como no sétimo livro (Pyramids), contar uma história independente - e, neste caso, com uma impagável paródia ao mundo do cinema. 

Para todos os efeitos, o ponto de partida da história é muito simples: em "Holy Wood", uma pacata e mais ou menos abandonada colina à beira mar, o último de uma invulgar sucessão de sacerdotes morre, abandonando um antigo ritual. Pouco depois, os alquimistas de Ankh-Morpork descobrem a técnica para desenvolver uma espécie de película de filme que, se utilizada com o equipamento apropriado (no caso, uma caixa com um mecanismo de manivela, vários diabretes treinados e salamandras sobrecarregadas), permite registar imagens estáticas e passá-las de forma a dar a sensação de movimento - algo mais sofisticado do que as outras formas de entretenimento conhecidas, como o teatro ou os jogos de sombras. Sem saberem exactamente por que motivo, os alquimistas partem para "Holy Wood" para desenvolverem as suas "imagens em movimento" - e, com eles, partem Victor Tugelbend, um aprendiz de feiticeiro da "Unseen University" com um talento especial para procrastinar, Theda "Ginger" Withel, uma rapariga do campo, "Cut-Me-Own-Throat" Dibbler, o mais famoso vendedor de ocasião da cidade, e Detritus, o troll que serve de porteiro no infame bar "The Mended Drum". Entre muitos outros humanos, trolls e anões. Claro que estamos em Discworld, onde tudo o que acontece aparentemente por acaso tem, regra geral, muito pouco de acidental - e a natureza daquilo que atrai tanta gente para "Holy Wood" com o propósito de trabalhar na indústria em ascensão das "imagens em movimento" é tão misterioso como sombrio. Algo que Victor vai descobrir com a ajuda de Gaspode, o Cão Maravilha...

Pratchett utiliza em Moving Pictures a sua habitual estrutura narrativa, desenvolvendo vários enredos em simultâneo até ao momento em que o caos se instala, sempre de forma hilariante. Tendo como alvo o cinema, os vários enredos estão repletos de inúmeras referências cinematográficas. das mais obscuras às mais evidentes, de filmes improváveis aos clássicos incontornáveis que toda a gente já viu. Talvez os leitores mais novos não percebam a sátira a Lassie, mas a de Gone With the Wind decerto não passará desapercebida. No seu estilo habitual, Pratchett atira piadas carregadas de significado, subverte clichés com muito humor e recria cenas famosas da história do cinema à maneira improvável de Discworld - sem deixar de parodiar a cultura das "estrelas" de cinema e o universo do cinema de Hollywood dos anos 30, 40 e 50 (ainda que algumas das referências sejam mais recentes). Personagens bem desenvolvidas como Victor, Ginger, Gaspode (que rouba todas as cenas nas quais participa), Dibbler, Ridcully e o Bibliotecário dão densidade e substância não só à narrativa em si, como às constantes referências, alusões e paródias, e alguns twists no enredo conferem imprevisibilidade à narrativa - o que, como não poderia deixar de ser, serve de pretexto para boas gargalhadas.

Moving Pictures será leitura mais do que recomendada para todos os cinéfilos que apreciem uma boa comédia - e, apesar de ser o décimo livro de Discworld, pode servir muito bem de entrada na série por constituir uma história individual, que não pertence de forma explícita a algum dos arcos narrativos estabelecidos (ainda que na prática possa ser entendida como uma história secundária dos Feiticeiros). Claro que quem acompanha a série desde o seu início entenderá algumas referências e já estará familiarizado com algumas personagens secundárias (como Detritus ou o Bibliotecário), mas Pratchett assegura logo nas primeiras páginas que qualquer leitor entrará rapidamente na narrativa - e, sobretudo, no espírito louco e hilariante de Discworld

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