26 de fevereiro de 2013

Sunshine, ou como fazer um bom filme-catástrofe

Em circunstâncias normais, Sunshine, filme de 2007 realizado Danny Boyle (28 Days Later) e escrito por Alex Garland, seria apenas mais um filme-catástrofe típico, igual a qualquer summer blockbuster de Hollywood na tradição de desastres como Independence DayThe Core ou The Day After Tomorrow. Uma tradição que o SyFy Channel tem mantido viva com um entusiasmo muito superior ao orçamento disponível, sem alterar muito a fórmula: uma premissa científica impossível junta personagens improváveis numa missão tecnologicamente implausível para salvar o mundo. Sunshine, porém, não é um filme normal, e Danny Boyle elevou-o acima das limitações da sua premissa ao dar a um elenco muito talentoso um argumento sólido, e ao colocar a acção num ambiente de thriller espacial que o afasta de outros desastres cinematográficos (pun intended) que o género conheceu nos últimos 20 anos.

Isto, porém, não quer dizer que a premissa fundamental de Sunshine não seja um perfeito disparate, e a sua maior fraqueza - a ideia de que o Sol se está "a apagar" é ridícula, e a noção de que poderia ser possível reacendê-lo com uma bomba gigantesca levada até à estrela não fica a dever muito à ideia de que seria possível reiniciar a rotação da Terra com bombas nucleares largadas centro do planeta, como vimos no pavoroso The Core. A diferença, como é bom de ver, está na execução. Qualquer filme-catástrofe que se preze segue não só a fórmula acima mencionada, mas também uma estrutura mais ou menos convencional: antes de o espectador saber o que se está a passar há uma série de desastres a assinalar que algo está errado; os heróis (e o vilão, que nestes filmes funciona apenas como um obstáculo ao herói) são apresentados; é-lhes explicado em jargão pseudo-científico o problema; estes, após alguma relutância, lá decidem tentar salvar o mundo; a missão quase falha, mas no último momento há um golpe de sorte ou de génio que faz tudo resultar. The Core, Armageddon, Independence Day, The Day After Tomorrow, 2012: na sua essência, a fórmula é sempre a mesma, e nem os monumentos e símbolos destruídos variam muito. 


A diferença, como disse, está na execução: Sunshine coloca a fórmula-catástrofe no seu devido lugar - no caixote do lixo - e após uma curta e eficaz introdução que explica a premissa do filme e a história da missão falhada Icarus I, a narrativa vai directamente para a nave Icarus II, momentos antes de a tripulação perder todo o contacto com a Terra. Não há uma imagem do planeta a congelar, de populações a morrer, monumentos a ficarem revestidos por gelo - toda a acção (excepto dois breves e lógicos momentos) decorre a bordo da Icarus II com a sua tripulação isolada do resto da Humanidade. E é nesse isolamento que os oito elementos da tripulação têm de conviver, sabendo que embarcaram numa missão que poderá não incluir viagem de regresso. Há, assim, espaço para conhecer os tripulantes, para perceber as diferenças entre cada uma daquelas pessoas - para simpatizarmos com aquelas personagens, ou mesmo para as detestarmos, de forma a que, quando as coisas começarem a correr mal (isto não é um spoiler, é uma inevitabilidade), o destino de cada uma delas tenha impacto. 

O elenco de Sunshine é um dos seus pontos fortes: com Cilian Murphy à cabeça no papel do físico Robert Capa, Chris Evans num surpreendente desempenho como Mace, Rose Byrne como Cassie e Cliff Curtis no papel do enigmático Searle. A atmosfera é formidável, tensa mesmo nos momentos mais descontraídos (que são poucos). A nave Icarus II está muito bem concebida, num misto de Discovery com Nostromo que funciona surpreendentemente bem, e os efeitos especiais são notáveis numa produção europeia cujo orçamento avultado fica longe do orçamento médio de qualquer summer blockbuster norte-americano. O destaque, porém, tem de ir para a banda sonora: atmosférica, arrepiante e magistral, deu mais força a cada momento do filme. 


Sunshine distancia-se dos filmes-catástrofe aos quais foi buscar a sua premissa, mas apesar de se inspirar em alguns dos melhores filmes do género, como Alien ou 2001: A Space Odyssey, e de recriar alguns momentos icónicos daqueles, não tem fôlego para se tornar num clássico da ficção científica. O que está longe de ser um defeito: Danny Boyle mostrou ser possível refrescar um sub-género estafadíssimo e elevá-lo acima da mediocridade habitual. Pode não ser um clássico, mas é um bom filme - o filme-catástrofe que merece ser visto e apreciado. 7.1/10

Sunshine (2007)
Realizado por Danny Boyle
Escrito por Alex Garland
Com Cillian Murphy, Rosie Byrne, Chris Evans, Cliff Curtis, Michelle Yeoh, Troy Garity, Benedict Wong e Hiroyuki Sanada
107 minutos

2 comentários:

Bráulio disse...

Acreditas que ainda ontem à noite me lembrei deste filme? Hoje ia-te perguntar se conhecias. :)

Vi há relativamente pouco tempo (um ano ou dois) e na altura foi uma agradável surpresa. Apanhei-o a começar num canal, pensei ser um daqueles típicos do canal Sci-Fy, mas depressa reparei no elenco. Acabou por se tornar num dos meus preferidos no género.

João Campos disse...

Para mim também foi uma surpresa. Dentro do sub-género dos filmes-catástrofe é de longe o melhor que já vi - pelo elenco, pelo guião, e sobretudo pela atmosfera e pela banda sonora. É pena que a premissa seja pouco mais credível do que um SyFy Original, mas ainda assim consegue elevar-se bem acima disso.