24 de dezembro de 2013

Europa Report: Salto de gigante

É interessante notar como alguns dos mais realistas filmes de ficção científica dos últimos anos resultaram de produções independentes de pequena escala, com orçamentos reduzidos e uma execução inteligente de boas ideias, não necessariamente novas. Em 2009, Duncan Jones juntou Sam Rockwell e a voz de Kevin Spacey no magnífico e minimalista Moon; e em 2013, o chileno Sebastián Cordero volta a surpreender um género tão carregado de blockbusters de grande orçamento e de estrelas de cinema caríssimas com o despretensioso Europa Report.

A premissa é simples, e maravilhosa na sua execução em hard science fiction: num futuro próximo, um consórcio privado lançou seis astronautas numa expedição de longa duração a Europa, a lua de Júpiter que possui vastos oceanos sobre as camadas de gelo que cobrem a superfície. O filme acompanha essa expedição e os vários problemas que a tripulação encontra, mas com um twist: todo o filme é um mockumentary, e em termos narrativos recupera o formato da found footage, mais tradicional do horror.

E Sebastián Cordero utiliza este formato com mestria para tornar todo o filme mais realista: as imagens da missão Europa One foram todas recolhidas pelas câmaras interiores e exteriores da nave, do módulo de suporte de vida e dos fatos. Não há pontos de vista externos, e a rigidez das câmaras contribui de forma soberba para tornar o ambiente no interior da nave mais realista, mais isolado – e, em alguns momentos, mais claustrofóbico.


Para isso também contribui a forma fragmentada como as imagens são apresentadas – com saltos temporais, e intercaladas com testemunhos dos responsáveis da missão, após o corte de comunicações da Europa Um com a Terra. Sabe-se, desde os primeiros minutos, que aquelas filmagens foram recuperadas de alguma forma (não se sabe ao certo como), e à medida que o filme vai avançando torna-se impossível não sentir que naquela história algo correu terrivelmente mal.


Europa Report constrói a tensão de forma soberba, sem necessitar de grandes sequências de acção ou de efeitos especiais vistosos. As reacções dos astronautas aos contratempos que enfrentam, o entusiasmo da exploração científica, a incerteza perante o desconhecido – tudo isto é mais do que suficiente para manter o espectador interessado. O momento em que uma astronauta se prepara para pisar, pela primeira vez, o solo gelado de Europa, é espantoso pelas emoções que evoca: por um momento, é quase como regressarmos ao puro sense of wonder da primeira alunagem.


E o elenco ajuda, com Sharlto Coopley a abrilhantar o filme com a sua presença e com Anamaria Marinca a assumir de forma progressiva o protagonismo no seio daquele ensemble cast. Os actores interpretam o papel de astronautas e cientistas, e comportam-se como tal - e se de facto há alguns erros que chamam a atenção durante o filme, em momento algum se poderá evocar com justiça a imbecilidade aparente das personagens, como se viu em alguns filmes recentes e de triste memória.


Como cereja sobre o bolo estão as imagens do espaço - com os abismos do espaço, infinitos, a contrastar com o espaço apertado do interior da nave, e com a aproximação progressiva a Júpiter e às suas luas a ser mostrado com uma série de imagens do gigante gasoso, e do gelo atravessado pela malha vermelha de Europa. Os efeitos especiais utilizados não são soberbos mas são competentes, e em momento algum quebram a suspensão da descrença.


As influências de Europa Report são visíveis: do realismo espacial de 2001: A Space Odyssey (com uma referência directa que até as personagens reconheceram) ao terror do desconhecido de Alien, Sebastián Cordero foi buscar elementos a vários clássicos do género para construir uma história ao mesmo tempo familiar e nova. E o resultado é magnífico, sobretudo quando consideramos com que meios o filme foi rodado. Europa Report traz a hard science fiction de regresso ao grande ecrã, após ausência prolongada; e fá-lo com uma competência e com um rigor irresistíveis. É de lamentar que o filme não tenha sido exbido nas salas portuguesas – mas é de louvar que alguém se tenha atrevido a produzir um filme desta natureza, e com esta qualidade, nos dias que correm. 8.0/10

Europa Report (2013)
Realização de Sebastián Cordero
Argumento de Philip Gelatt
Com Christian Camargo, Anamaria Marinca, Michael Nyqvist, Daniel Wu, Karolina Wydra, Sharlto Copley
90 minutos

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