21 de novembro de 2013

Think with portals: Os meus portais para a ficção científica e para a fantasia

No Kirkus Reviews, John DeNardo (do SF Signal) assina um artigo muito interessante sobre portais na fantasia e na ficção científica. Centrando-se essencialmente na vertente literária destes géneros, DeNardo explora a utilização do conceito de portal - desde a toca do coelho em Alice in Wonderland ao roupeiro de The Chronicles of Narnia, na fantasia, ou das stargates de Andre Norton aos farcasters de Dan Simmons em Hyperion

Considerando que uma parte significativa da minha introdução à ficção científica foi feita pela televisão em séries como Stargate SG-1 (que, há muito tempo e num universo que hoje só podemos conceber como paralelo, passava nas tardes de Domingo da SIC) ou Sliders, o tema dos portais diz-me muito. Em Stargate (a série, baseada no filme de 1994 realizado por Roland Emmerich), uma rede de portais homónimos fazia a ligação entre inúmeros planetas da galáxia, numa narrativa fascinante que, nas primeiras temporadas (de resto, aquelas a que assisti), se inspirava na mitologia egípcia para a criação de raças alienígenas, vilões e ligações à Terra. O portal na Terra estava protegido nas instalações do NORAD nos Estados Unidos (e havia um segundo, na Antárctida, descoberto num episódio fascinante que ainda hoje me permanece na memória, apesar de nunca o ter revisto), e era atravessado regularmente - uma vez por episódio, quase sempre - por uma equipa militar de elite. Já em Sliders o conceito era um pouco diferente - um jovem estudante apaixonado pela Física desenvolve uma forma de criar um portal para um universo paralelo; algo, porém, acaba por correr mal (como não podia deixar de ser), e ele vê-se obrigado a atravessar, com a namorada, o professor e um artista desconhecido apanhado no vórtice por acidente, inúmeros mundos, ao mesmo tempo tão iguais e tão diferentes do nosso, numa tentativa aleatória de regressar a casa. Sim, a premissa é problemática, e a execução a partir do final da segunda temporada perdeu-se por completo; mas nem por isso aqueles primeiros episódios deixaram de ser tão interessantes de acompanhar. Os portais de Sliders eram móveis, feitos por um dispositivo manual onde quer que os protagonistas se encontrassem; já em Stargate, os portais estavam fixos numa determinada posição e num determinado local - seriam apenas móveis se estivessem colocados numa nave.

E quando dei o salto da ficção científica televisiva para a literária, os portais continuaram a estar presentes. Em The Snow Queen, de Joan D. Vinge, o mundo de Tiamat encontra-se isolado da aliança de mundos habitados, conhecida como Hegemonia. Privada da tecnologia avançada de civilizações antigas, a única forma de chegar a Tiamat - ou de sair de Tiamat - é através do wormhole de um buraco negro próximo; a proximidade da estrela binária que ilumina o planeta, porém, determina que durante um longo período de tempo esta passagem se torna demasiado instável para ser utilizada. O que, por sua vez, determina os ciclos de estações em Tiamat, e moldou a fascinante sociedade de winters e summers que a autora apresenta. Daí para cá foram várias as histórias de ficção científica que li onde o conceito é explorado. Em 2001: A Space Odyssey, de Arthur C. Clarke, existe uma stargate, que Bowman atravessa para a sua evolução (a célebre "trip psicadélica" do filme de Stanley Kubrick); em The Forever War, de Joe Haldeman, a frota espacial terrestre utiliza collapsars para atravessar grandes distâncias no espaço (com a relatividade a tratar do resto). E, claro, há os farcasters de Hyperion, o meu livro de ficção científica preferido, também mencionado no artigo de DeNardo. Estes dispositivos, porém, possuem no universo ficcional criado por Dan Simmons utilizações bem mais interessantes - e ousadas - do que o mero transporte de naves pelo espaço. Farcasters de pequenas dimensões podem ser utilizados para criar portas para outros mundos, como bem demonstra a casa de Martin Silenus, um dos peregrinos originais: a sua fortuna permitiu-lhe construir uma habitação na qual cada divisão se encontra num mundo diferente, cortesia de uma utilização inteligente (e dispendiosa) desta tecnologia - a casa-de-banho, por exemplo, ficava num mundo coberto de água. E como esquecer o prodigioso rio (Styx? Lethe? Falha-me o nome), atravessando vários mundos através de múltiplos farcasters?

Curiosamente, também na minha introdução à literatura de fantasia os portais estiveram muito presentes. Em The Brothers' War, livro de Jeff Grubb no universo partilhado de Magic: the Gathering que me abriu as portas ao género (pun intended), um dos principais plot points da história é um portal: a passagem entre o mundo natural de Dominaria e o plano artificial de Phyrexia, selada incontáveis anos antes (essa história é contada em The Thran) e inadvertidamente aberta pelos irmãos Urza e Mishra quando tocaram na powerstone que lhe servia de fechadura. Esse portal seria instrumental para a entrada de Gix e o regresso dos phyrexians de Yawgmoth - e, ao longo do arco narrativo de Urza, novos portais foram utilizados antes e durante a invasão. Também em Warcraft os portais desempenharam um papel fundamental na trama - e não, não me refiro aos portais que assinalam as entradas nas dungeons de World of Warcraft. A invasão dos Orcs de Draenor ao mundo de Azeroth foi feita pelo Dark Portal, aberto por Medivh e Gul'dan; mais tarde, Ner'zhul abriria vários, arruinando Draenor. E, tecnicamente, em His Dark Materials Philip Pullman também recorre aos portais para possibilitar a passagem entre mundos paralelos - a diferença reside na forma como estes são criados. Asriel cria um através da aurora boreal no Norte, no final do primeiro livro; e no segundo, Will obtém a subtle knife, uma faca de dois gumes, um dos quais capaz de cortar o limite da realidade e abrir uma passagem para o universo seguinte. 

Como é bom de ver, nem vou mencionar o universo de videojogos - basta a referência do título. Os portais são um dispositivo interessante, prático e, acima de tudo, conveniente - daí terem sido e continuarem a ser tão utilizados na ficção científica e na fantasia. Entre os exemplos deixados por John DeNardo e estes que aqui referi, muitos outros, e muitos mais, ficam de fora. Fica o eco do desafio de DeNardo aos leitores: de que outros portais se lembram na fantasia e na ficção científica?

Fonte: SF Signal

4 comentários:

Anónimo disse...

Tb há portais em A Espinha Dorsal da Memória, um dos melhores livros de fc de autores lusófonsos que me foi dado ler.

João Campos disse...

Ainda não tive a oportunidade, mas fica anotada a sugestão :)

Jorge Candeias disse...

Também existem em alguns contos do Gerson Lodi-Ribeiro. Num (não me lembro agora do título), são portais de teletransporte/reencarnação. Noutros, os contos do universo Taekodom, são portais semelhantes aos do Braulio Tavares (e do Stargate), pontos de atalho para viagens interestelares.

João Campos disse...

Boa chamada para a ficção científica lusófona, caro Jorge. Tenho MESMO de entrar nesses universos um dia destes.