27 de agosto de 2013

The Chronicles of Riddick: O vasto universo

Em 2000, Pitch Black surpreendeu pela forma como pegou na fórmula mais elementar de Alien e lhe deu um novo fôlego com uma sólida premissa de sobrevivência, um protagonista intrigante e elementos visuais soberbos. Não chegou perto da fasquia colocada pelo clássico de Ridley Scott, é certo, mas nem por isso deixou de ser um filme interessante, com um enredo fechado que deixou pontas soltas e questões suficientes para justificar um regresso ao Riddick de Vin Diesel. A verdade é perante um filme como Pitch Black, ou Alien, a continuação acabará por passar pela expansão do universo estabelecido, o que pode ser feito de várias formas: filme não directamente relacionado mas estabelecido na mesma continuidade narrativa, prequela ou sequela*. Tal como James Cameron quando pegou no legado de Scott, também Twohy escolheu a terceira hipótese - mas ao invés de alargar o universo criado no primeiro filme seguindo a fórmula de acção-horror de Aliens, escolheu antes um modelo mais próximo de Dune, mas com menos política: uma space-opera de conquistas e conflitos de larga escala. O resultado foi The Chronicles of Riddick

No primeiro filme, pouco ou nada se sabe do daquele universo para além das poucas indicações obtidas pela tripulação da nave Hunter-Grazner e de algumas referências mais ou menos laterais deixadas por uma ou duas personagens durante o tempo que passam naquele planeta desconhecido - a nave transportava "colonos", o que indica colonização humana noutros planetas espalhados pela galáxia; Abu "Imam" al-Walid (Keith David) refere uma "Nova Meca", objectivo da sua peregrinação; e o próprio Riddick alude às circunstâncias obscuras do seu nascimento, e da sua juventude passada em colónias prisionais. The Chronicles of Riddick abre com um prólogo a dar conta do universo mais vasto que existe, e da raça de conquistadores conhecidos como Necromongers - guerreiros excepcionais que convertem ou matam todos os povos com os quais se cruzam. Feita a introdução, é inevitável o encontro com Riddick - e este começa o filme sozinho num planeta desconhecido, a ser "caçado" pela equipa de mercenários de Toombs (Nick Chinlund). Dominados os mercenários, Riddick rouba-lhes a nave e viaja até Nova Meca, a principal metrópole do planeta Helion Prime - onde se vai reencontrar com al-Walid, onde fica a saber o destino de Jack, a outra sobrevivente do filme original, e onde vai encontrar a ameaça dos Necromongers - revendo a sinistra história da sua infância, e o legado que transporta sem saber.


Em termos de worldbuilding, The Chronicles of Riddick consegue ser surpreendentemente interessante - ainda que os Necromongers sejam talvez demasiado Warhammer 40.000-ish (ou assim pareçam a um leigo), a sua armada, a arquitectura surreal das suas naves e a teatralidade das suas etapas de invasão conseguem transmitir de forma eficaz uma presença ameaçadora. Do pouco que se vê de Nova Meca, percebe-se uma cidade com um vasto potencial derivado da sua mistura de povos e religiões. E a prisão de Crematoria, num planeta parecido a Mercúrio (mas cuja atmosfera aparente constitui o grande momento jump the shark do filme), serve para dar uma ideia muito interessante do passado distante que moldou Riddick, e que parece começar a moldar Jack/Kyra (agora interpretada por .Alexa Davalos). Em termos visuais, é uma pena que a fraca qualidade dos efeitos especiais não esteja à altura da atmosfera, dos cenários e das coreografias das cenas de combate, mas mesmo assim não envergonham num filme com quase uma década. 


Com o universo alargado, também a quantidade de personagens (relevantes) foi aumentado em relação ao primeiro filme - al-Walid tem mulher e uma filha; Jack, no seu desejo de emular Riddick, acabou numa colónia prisional e assumiu o nome de Kyra; os Necromongers têm em Lord Marshal (Colm Feore, talhadíssimo para o papel de vilão) um comandante compentente e em Lord Vaako (Karl Urban) um second-in-command instigado para a rebelião e para a liderança pela sua companheira, Lady Vaako (Thandie Newton); Toombs, enfim, serve de mercenário-tipo; e Aereon (Judi Dench) é a enigmática elemental. Os desempenhos, regra geral, são sólidos; o argumento, porém, esforça-se tanto por mostrar tanta coisa que acaba por não chegar a todas as pontas como poderia - e como deveria.


E este é um dos grandes problemas de The Chronicles of Riddick - contém um universo e um elenco demasiado vastos. Várias personagens, como a família de al-Walid, servem apenas como verbo de encher, sem relevância ou propósito no filme; outras, como Aereon, nunca são detalhadas, e nunca se sabe ao certo qual é o seu propósito, ou da raça que representa, no contexto global da narrativa (talvez se saiba num próximo filme, mas isso não deixa de ser uma lacuna deste); e outras, como Lord Marshal, acaba por ser um mero plot device - ainda que com uma história curiosa e um desempenho agradável da parte de Feore). Mesmo Jack/Kyra parece estar presente apenas para constituir um elo de ligação ao filme anterior, e para fornecer uma explicação talvez desnecessária para Riddick se encontrar sozinho no início do filme. Sobram os Vaako, e o contraste entre a ambição desmedida e a intriga dela e a natureza mais ou menos desinteressada e tradicionalista é, ainda que algo convencional, um dos pontos altos do filme - quando Riddick não está a escapar de algum sítio ou a desancar alguém.


Mas mesmo Riddick parece quase deslocado do filme - apesar de estas serem, para todos os efeitos, as suas "crónicas". Que não restem dúvidas: as suas cenas de acção, assim como a sua passagem por Crematoria, são excelentes (com destaque para a forma como se livra das amarras e como lida com os criminosos que atacam Kyra); mas a verdade é que o personagem, mesmo não deixando de ser possante e determinado, encontra-se despido da aura de sobrevivente absoluto que tanto contribuiu para a sua caracterização de anti-herói invulgar no primeiro filme; e mesmo o seu mais notável atributo, a sua visão nocturna, não serve qualquer propósito em Chronicles. É certo que a personagem de Vin Diesel continua a ser interessante, apesar do irritante carácter messiânico que acaba por ganhar; a exploração do seu passado e da sua raça suscitam várias pontas soltas e o final do filme posiciona-a mesmo muito bem (a propósito: o build-up para o final com base nas tradições dos Necromongers pode ser previsível, mas nem por isso deixa de ser excelente na execução) para futuras histórias. No entanto, neste universo mais vasto algum do seu carisma sombrio acabou por se perder.


Numa década marcada por adaptações, sequelas reboots e remakes, David Twohy tem o mérito de tentar criar de raiz um universo de ficção científica novo e, por que não dizê-lo, com originalidade em alguns dos seus elementos e com rasgo em termos visuais. E, por que não dizê-lo, de arriscar uma narrativa mais vasta quando poderia limitar-se a repetir uma fórmula testada. The Chronicles of Riddick ficou aquém do potencial da sua premissa e da sua atmosfera, mas nem por isso deixou de as mostrar - e de tentar a construção de um novo mito e de um novo universo cinematográfico a explorar. É uma pena que não tenha relevado uma maior coesão narrativa, e que tenha deixado tantas pontas soltas por atar - mas abriu um universo que ainda poderá trazer muitas surpresas. Veremos em Setembro, com Riddick. 6.0/10

The Chronicles of Riddick (2004)
Realizado por David Twohy
Argumento de David Twohy e Jim e Ken Wheat
Com Vin Diesel, Colm Feore, Karl Urban, Keith David, Judi Dench, Alexa Davalos e Nick Chinlund
119 minutos

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