13 de agosto de 2013

Pitch Black e o que encerra o medo do escuro

Numa época em que a ficção científica parece tomada pela tendência gritty-grimdark, pelos heróis relutantes de moralidade ambígua, pelas premissas e pelos twists narrativos pretensamente complicados e pela constante - e cansativa - alegoria aos dramas do presente, não deixa de ser um tanto ou quanto refrescante recuar treze anos e rever Pitch Black, o intrigante filme de Peter Twohi que apresentou a intrigante personagem de Riddick, interpretada por um sólido Vin Diesel. Longe de pretensões literárias ou de comentários sociais, Pitch Black regressa a um tema que na ficção científica alcançou o seu expoente máximo em Alien (e mesmo Aliens): o medo. E fá-lo de forma tão simples como eficaz, em formato de thriller com laivos de terror e momentos de acção. 

Num futuro indeterminado, a nave de transporte não-militar Hunter-Grazner viaja pelo espaço em piloto automático numa rota pouco utilizada. A sua tripulação segue em cápsulas de animação suspensa - para além do comandante e de outros elementos da tripulação, a bordo seguem cerca de quatro dezenas de passageiros, de peregrinos muçulmanos a colonos. E com um criminoso entre eles: Richard B. Riddick (Vin Diesel). Considerado extremamente perigoso pelas autoridades de vários sistemas, foi capturado em circunstâncias desconhecidas por William J. Johns (Cole Hauser) e encontra-se acorrentado e amordaçado numa cápsula especial, rumo à prisão. A inesperada passagem pela cauda de um cometa, porém, vai danificar a Hunter-Grazner, matando o comandante e vários passageiros e precipitando a nave para o poço gravitacional de um planeta próximo. Os dois pilotos, Carolyn Fry (Radha Mitchell) e Greg Owens (Simon Burke), tentam a custo fazer a nave aterrar, soltando para isso vários compartimentos da sua estrutura modular - e é este último quem impede Fry de soltar o compartimento da tripulação. 


Com a nave despenhada e inutilizável na superfície, os poucos sobreviventes dão por si num estranho planeta desértico, num dia aparentemente eterno pela acção dos seus três sóis (um par binário com uma luminosidade avermelhada e uma estrela singular de matizes azulados). Uma base científica abandonada indica que o planeta já fora ocupado em tempos, ainda que de forma temporária - dos ocupantes, porém, nem sinal. A morte de um dos elementos do grupo, porém, dá o primeiro indício de que há algo de errado naquele lugar - e quando um eclipse inesperado ameaça mergulhar o planeta na mais completa escuridão, uma presença muito mais sinistra do que Riddick vai tornar-se bem real, para terror dos sobreviventes.


Talvez o aspecto mais impressionante de Pitch Black seja a sua componente visual - todo o filme é extraordinariamente atmosférico, com a vastidão desolada e iluminada do planeta desértico (as diferentes cores dos sóis dão às cenas diurnas um toque muito especial) a contrastar de forma quase agressiva com os compartimentos apertados dos destroços da Hunter-Grazner e com as trevas claustrofóbicas onde vivem horrores quase indescritíveis. A premissa do filme, quase reminescente da velha ideia de Isaac Asimov em Nightfall, é bem trabalhada através deste contraste, que serve de enquadramento para a história de sobrevivência das personagens e para a exploração individual de vários medos. E ainda que os efeitos especiais propriamente ditos não sejam extraordinários (talvez o tenham sido na viragem do milénio), o design das criaturas merece sem dúvida reconhecimento. 


No centro da acção encontra-se Riddick, o protagonista, cedo caracterizado como um perigoso homicida - um facto que assume com naturalidade e sem remorso, ainda que tanto o seu passado como a sua personalidade permaneçam um mistério: sabe-se que cometeu crimes graves, que foi condenado e que se evadiu; que foi durante o tempo que passou na prisão que adquiriu a sua visão nocturna; e que terá tido um passado marcado pela tragédia e pela violência. Quando diz a uma Fry devastada pela culpa que ela não sabe nada sobre si, Riddick refere-se tanto a ela como a nós, a audiência - e o enigma que o envolve é uma das melhores coisas de Pitch Black. Ao longo do filme, e mais pelas suas acções do que pelas suas palavras, Riddick assume-se como um anti-herói, como alguém disposto a tudo para sobreviver - e a única coisa que parece respeitar, ao ponto de o fazer recuar, é precisamente essa capacidade de sobreviver (ilustrada de forma excelente nas últimas cenas do filme). 


Como contraponto a Riddick surge não uma personagem física mas outra, menos material mas muito mais consistente - o medo. E este atravessa várias personagens em vários momentos do filme, dando-lhes alguma densidade. Durante a primeira metade de Pitch Black, é em Riddick que se condensam todos os medos dos sobreviventes - mas uma vez instalada a noite, o temor passa para algo mais incompreensível. Do medo da morte que leva Fry a tomar uma decisão difícil (cuja culpa irá atormentá-la em cada momento que passa no planeta) ao medo do desconhecido (seja esse desconhecido outro dos sobreviventes ou os horrores que a noite encerra), é no confronto com os seus terrores que as personagens. As que sobrevivem, entenda-se - afinal, Pitch Black é um filme de sobrevivência.  


Ainda que vá beber à mesma fonte, Pitch Black não é um Alien, não alcançando em momento algum a inteligência narrativa, a tensão, o carisma e os elevados valores de produção do clássico maior da ficção científica de terror. Ainda assim, a sua premissa revela-se interessante e encontra-se bem explorada através de uma atmosfera muito bem conseguida e de desempenhos que, não sendo estelares, são suficientemente competentes para transportar sem dificuldade o espectador por estre thriller bem montado. Mas mais do que a exploração do medo, é a exploração do próprio Riddick com aqueles que o rodeiam - humanos ou predadores - que torna Pitch Black tão interessante; e o facto de o filme poucas respostas fornecer nesse campo acaba por se revelar numa das suas maiores virtudes. 7.1/10

Pitch Black (2000)
Realizado por Peter Twohi
Argumento de Jim e Ken Wheat
Com Vin Diesel, Keith David, Radha Mitchell, Cole Hauser, Claudia Black, Rhianna Griffith, Lewis Fitz-Gerald, Simon Burke e John Moore
109 minutos

Sem comentários: