16 de julho de 2013

A fábula natalícia e referencial de Gremlins

Será possível encontrarmos um filme que encaixe nas categorias de produção de "comédia" e "horror" para "toda a família"? Nos anos 80 e no início dos anos 90, vários foram os filmes que demonstraram que sim, misturando elementos tradicionais do cinema de horror com várias formas de comédia para criar obras passíveis de serem apreciadas por vários tipos de audiências - como Ghostbusters ou The Addams Family, obras indissociáveis da sua época concreta mas que nem por isso deixam de preservar, duas ou três décadas volvidas, alguma frescura em relação ao cinema familiar contemporâneo e um charme vintage muito especial. Em 1984, Steven Spielberg, Chris Columbus e Joe Dante uniram esforços como produtor executivo, argumentista e realizador (respectivamente) e deram o seu contributo para este género muito específico com Gremlins, um dos mais curiosos e divertidos filmes de Natal de que há memória.

E tal como os outros filmes mencionados, Gremlins é um filme que só poderia ter sido produzido nos anos 80 - a estética tão característica daquela época entra pela película adentro desde os primeiros minutos e está presente em cada cena, em cada imagem da pequena cidade a acordar para um pesadelo em vésperas de Natal. 


Em plena quadra natalícia, o inventor (falhado) Randall Peltzer (Hoyt Axton) procura um presente para dar ao filho, e numa loja obscura de Chinatown encontra uma criatura tão prodigiosa como encantadora - um Mogwai. O dono da loja não o quer vender, com o argumento de que ter um Mogwai é uma tremenda responsabilidade; o seu neto, porém, ignora a advertência e vende a criatura a Randall, deixando-lhe três regras para cuidar do animal que deverá seguir à risca: nunca o expor à luz do Sol, nunca o molhar e nunca o alimentar depois da meia-noite.


Como em qualquer filme de terror que se preze, estas três regras não vão ser cumpridas à risca (ainda que de forma não intencional), o que vai conduzir a consequências imprevisíveis quando o adorável Gizmo dá origem a uma série de outros Mogwai, que por sua vez se transformam em algo um tanto ou quanto sinistro, e deixam a pacata cidade de Kingston Falls mergulhada no caos, com Billy (Zach Galligan) e Kate (Phoebe Cates) a terem de encontrar uma solução para os ataques dos 'Gremlins'...


Para todos os efeitos, Gremlins joga com as mais convencionais regras das narrativas cinematográficas de terror - o quebrar das regras de cuidado dos Mogway, um monólogo em jeito de foreshadowing (sobre as criaturas no limpa-neves), e uma série de acontecimentos macabros - e, por que não dizê-lo, surpreendentemente violentos para um filme familiar. Mas Gremlins nunca se assume como um filme de terror, tendo Dante, Columbus e Spielberg optado por um twist cómico através de Stripe e dos seus lacaios. Mais do que assustadoras ou violentas, as acções dos 'Gremlins' - tal como a reacção de algumas personagens - são sobretudo cómicas, com a segunda parte do filme a incluir mais puns e mais piadas bem construídas e divertidas do que a maior parte daquilo que hoje em dia passa por comédia em cinema. 'Gremlins' a fazer cânticos de Natal? Sim. 'Gremlins' numa luta de bar com álcool, cigarros e armas à mistura? Sim. 'Gremlins' a construir armadilhas dignas de um Home Alone? Sim. E mais, muito mais.


Claro que, vindo de onde vem - e tendo sido produzido por quem foi -, Gremlins é também um filme marcadamente referencial, não só na desconstrução que faz de todo um género cinematográfico, mas também no tributo que presta a outros temas fortes do cinema (e mesmo à obra de Spielberg em alguns momentos e em pelo menos um easter egg muito bem encaixado), e mesmo ao cinema propriamente dito. A imagem dos ruidosos 'Gremlins' na sala de cinema a ver Snow White com os óculos 3D estaria talvez datada no final da década de 90 - mas será hoje mais pertinente do que o era aquando da estreia original.


Em termos visuais, as marionetas prestam tributo aos Muppets de Jim Henson e conseguem ser em simultâneo adoráveis e terríveis; e em pleno 2013, a conjugação das marionetas com as técnicas de animatronics algo antiquadas confere a Gremlins um charme que decerto não teria se fosse um filme moderno, feito com CGI topo de gama. Também aqui se notam os traços indeléveis dos anos 80 - mas se Gremlins é um filme decididamente filho do seu tempo, nem por isso está hoje datado, quando se passaram quase 30 anos sobre a sua estreia. Com a sua combinação improvável de ambiente familiar a oscilar entre o cómico e o horror, com referências cinematográficas e um guião inteligente a proporcionar muitas e diversas leituras (e, não esquecer: uma Chekhov's blender!), Gremlins merece sem dúvida o estatuto de 'clássico'. A ver e rever, no Natal ou no Verão. 7.8/10

Gremlins (1984)
Realizado por Joe Dante
Argumento de Chris Columbus
Com Zach Galligan, Phoebe Cates, Hoyt Axton, Harry Carey Jr., Corey Feldman, Polly Holiday e Frances Lee McCain
107 minutos

4 comentários:

Rita Santos disse...

A cena em que a Kate conta porque é que não gosta do Natal continua a ser uma dos momentos mais arrepiantes que vi no cinema. E sim, de cada vez que dá uma reposição, não consigo deixar de ver uns minutos.

João Campos disse...

De facto, aquela história apanha toda a gente de surpresa.

Unknown disse...

Adoro este filme, e também a sua sequela que penso que não desilude.

João Campos disse...

A sequela terá de ser vista durante o Verão. Há anos que não pegava nestes filmes; voltar a eles é uma maravilha. Eu gosto muito de bons efeitos especiais (como se vai ver pelo filme de que vou falar amanhã), mas os "muppets" de "Gremlins" são insubstituíveis por qualquer animação computorizada.