5 de junho de 2013

Game of Thrones: A transposição do "Red Wedding" da páginas do livro para o pequeno ecrã [Spoilers]

Diria que a opinião é mais ou menos consensual entre os leitores da série A Song of Ice and Fire, de George R. R. Martin - de todas as atrocidades cometidas pelas várias personagens, e não são poucas, o célebre "Red Wedding" foi aquela que mais impacto teve entre os leitores, levando mesmo muitos a abandonar a série por completo. Este acontecimento tem lugar no terceiro livro, A Storm of Swords (2000), e marca um ponto de viragem significativo em toda a narrativa. Na adaptação televisiva, o "Red Wedding" teve lugar no nono episódio da terceira temporada, exibido no Domingo à noite nos Estados Unidos; e se os leitores que seguem a série já sabiam com o que contar (em termos gerais; há três alterações significativas), os espectadores que nunca leram os livros e que, quase por milagre, conseguiram chegar até ontem sem spoilers experienciaram em primeira mão, e com um suporte audiovisual excepcional, o choque sentido por inúmeros leitores - eu incluído - ao longo dos últimos treze anos. As reacções nas redes sociais, com destaque para o Twitter, são hilariantes (ainda que desproporcionadamente exageradas), e dão uma ideia interessante mesmo que imprecisa sobre o impacto do episódio. Resta a questão: fez justiça à sua fonte?



A resposta será um "nim". Doravante,  os spoilers serão a norma.

Nos livros, o "Red Wedding" é antecedido por um foreshadowing vastíssimo - para além do feitiço de Melisandre (óbvio), há o encontro da Brotherhood Without Banners com a "Ghost of High Hearth" e uma das visões de Daenerys na "House of the Undying". Claro, há também a questão de Roose Bolton com Jaime Lannister; esse será porventura o detalhe mais evidente em ambos os formatos. Mas mais do que isso, há toda uma série de indícios nos capítulos que antecedem o casamento (a despedida de Jeyne, o comportamento de Grey Wind à medida que se aproximam das Twins) que, lentamente, vão gerando uma enorme tensão que explode, não no momento em que a traição é levada a cabo, mas a partir do momento em que se percebe não ir haver qualquer intervenção de última hora ou reviravolta que salve Robb e Catelyn Stark. Nada disto é visível na série; ainda que episódios anteriores dêem alguns indícios, o foreshadowing apenas começa no interior do salão do castelo - e é de curta duração. 

O que, como se sabe, em nada diminuiu o shock value de toda a cena - e mesmo os espectadores que já tinham lido os livros não terão decerto deixado de recear por Brynden "Blackfish" Tully (presente no casamento, salvo do massacre por necessidades fisiológicas) ou de se surpreender pelo sangrento destino de Talisa a abrir as hostilidades. Os desempenhos dos vários actores também estiveram à altura da ocasião, com destaque para David Bradley, Michael McElhatton e Michelle Fairley. E se Bradley encarna um Walder Frey formidável e desprezível, já McElhatton estabelece de forma excepcional o seu Roose Bolton como um dos principais elementos em jogo e um dos grandes vilões de temporadas futuras. Mas a taça, se a houvesse, iria sem dúvida para o desempenho superlativo de Michelle Fairley como Catelyn Stark. Com uma interpretação notável, Fairley conseguiu representar na perfeição os vários estados emocionais de Catelyn Stark ao longo do episódio - do alívio perante o casamento a correr (aparentemente) bem à desconfiança para com Roose Bolton, até ao desespero por assistir à destruição de tudo aquilo que lhe restava com o assassinato de Robb. A sua expressão - ou inexpressividade - final é ilustrativa.


É claro que toda esta cena, por poderosa que seja, chega-nos desvalorizada por duas temporadas que, independentemente da sua qualidade global, nunca conseguiram fazer justiça à personagem de Robb Stark (não desvalorizando Richard Madden), mesmo dando-lhe mais protagonismo. O desvio narrativo do plot da casa Westerling e a introdução da personagem de Talisa faz do Rei do Norte não um jovem inseguro e ingénuo que, num impulso, cometeu um erro e procura corrigi-lo, mas um jovem rei orgulhoso e teimoso, que ignora o conselho tanto da sua mãe como dos seus vassalos e quebra a sua palavra por um capricho. Não que isto justifique a brutalidade e a quebra de costumes sagrados que têm lugar no salão dos Freys (ainda que justifique melhor a vingança), mas diminui Robb Stark, já no limiar da irrelevância enquanto "actor" político devido à ausência de batalhas - ou de meros indícios - que reforçassem a sua imagem de líder militar invicto e ameaça efectivo para os Lannisters.

Também a desvalorizar o clímax do "Red Wedding" surge a ausência do "Norte" nos seus vários senhores feudais, vassalos de Robb Stark: Greatjon e Smalljon Umber, Dacey Mormont, Wendel Manderly e outros, caídos e aprisionados durante o massacre. Ainda falta um episódio, é certo, mas até aqui não foi estabelecida de forma sólida aquilo que a traição dos Freys e dos Boltons significou para o Norte - a perda de muitos dos seus senhores, herdeiros e guerreiros, para além da (aparente) destruição da Casa Stark. O que, já agora, faz puxar por outros plot points deixados de parte: se Robb e Catelyn chegaram a saber do casamento de Sansa, nunca o demonstraram.


Claro que noutros pontos, o "Red Wedding" resultou em pleno - e num em especial, talvez tenha sido mesmo superior ao livro: na aproximação de Arya e na impossibilidade de se reunir de novo com a sua família. Todas as cenas estão muito bem conseguidas, facto a que não é alheio o excelente desempenho da actriz Maisie Williams; e o momento em que assiste à morte dos homens de Winterfell e de Grey Wind, encurralado como o seu dono, é especialmente tocante. No resto, alguns detalhes dão alguma cor ao acontecimento, ainda que pudessem ter beneficiado de um melhor enquadramento - é o caso do pão e do sal no início.

O próximo episódio, a fechar a temporada, decerto concluirá este arco narrativo, mostrando a destruição do exército de Robb e as reacções das várias personagens aos acontecimentos nas Twins. Resta saber se uma certa personagem regressa já, ou algures na quarta temporada...

4 comentários:

Loot disse...

Uma das coisas que gostei mais foi quando fecham a porta e começa a tocar a Rains of Castamere. Há que aproveitar o que outros suportes podem trazer de diferente. Foi um toque de mta classe, o ambiente mudou logo todo.

Depois ainda foram mais cruéis no sentido em que matam o ned 2x lol :P

João Campos disse...

Mas isso já estava previsto. Repara: eu também gostei muito do momento em si - mesmo na alteração do Roose Bolton, de que gosto porque o actor compensou. E a Michelle Fairley... extraordinária. Nomeação para o Emmy, já.

(não digo vitória porque a Claire Danes deve tratar da coisa, claro)

O que me faltou foi todo o build-up até àquele momento - e uma maior percepção da confusão na sala, com os Umbers, a Mormont, o Manderly... Quem apenas ver a série não tem bem a noção que os leitores tiveram do que aquele golpe significava para o Norte - com a perda não só do Rei, mas com a perda de boa parte dos principais nobres.

Loot disse...

Sim tens razão no que toca ao desenvolvimento, só estava a salientar as minhas partes predilectas do episódio. Também li e tirando a cena da Melisandre que a meteram, houve poucos desses pormenores. Por exemplo penso que o Robb se apaixona tb quando está desfeito emocionalmente por saber da notícia da morte dos seus irmãos, faz muito mais sentido esta escolha assim, ou melhor, compreende-se melhor.

Também gostava que o Robb tivesse dito à mãe que Winterfell deveria ser do Jon se ele morresse (ele pensa que os irmãos já foram)

João Campos disse...

Yep. Faltou muito foreshadowing. Ainda assim: o shock value está todo lá (aumentado pelo destaque que o Robb e a Talisa tiveram, e a morte horrível dela), e as reacções dos espectadores têm sido hilariantes.

Se eu fosse ao Martin, comprava um cão e não saía de casa nos próximos meses. A malta está fula da vida.