25 de junho de 2013

Constantine, ou Hellblazer segundo Hollywood

Como escrevia há dias, o meu primeiro contacto com a personagem de John Constantine não se deu através dos comics da série Hellblazer, mas através do filme Constantine, que em 2005 levou pela primeira vez a personagem criada por Alan Moore, Steve Bissette e John Totleben durante a sua recriação de Swamp Thing. Para deixar o óbvio logo arrumado, o sucesso de bilheteira de Constantine não foi proporcional à sua tépida recepção pela crítica. Longe de constituir uma adaptação fiel tanto da personagem da DC Comics ou de algum dos muitos arcos narrativos dos 25 anos de publicação de Hellblazer, o enredo do filme inclui elementos e inspirações de várias histórias dos comics e combina esse material numa narrativa alternativa própria - que, mesmo não sendo fiel à sua origem ou mesmo qualitativamente relevante em si, nem por isso deixa de ser bastante interessante.

Na película, não há qualquer indicação de que o John Constantine interpretado por Keanu Reeves seja britânico - e considerando que a acção decorre em Los Angeles e que o protagonista parece estar perfeitamente ambientado nos círculos de sobrenatural da cidade (os locais que frequenta e a reacção da polícia para isso apontam), tudo indica que este Constantine seja americano. O que não significa que tenha perdido o seu cinismo e o seu carácter provocador - Reeves (porventura o actor norte-americano com o melhor agente) transporta ambos sem dificuldade, com um ou dois momentos dignos de registo, e empresta à personagem uma melancolia muito própria que pode não ser característica da personagem original, mas que funciona surpreendentemente nesta versão. Constantine é apresentado como um suicida - alguém que tem o Inferno à espera, por mais boas acções que faça; todos os seus exorcismos e todos os demónios que deporta de volta para as profundezas têm como único objectivo uma motivação tão egoísta como inútil: perante a morte iminente, a salvação. 


E após a breve introdução do macguffin do filme na forma da mítica Lança do Destino (embrulhada numa bandeira nazi, pormenor tão curioso como irrelevante), Constantine arranca com o protagonista em acção, a fazer um exorcismo arriscado (e espectacular) para deportar um "demónio soldado" do corpo de uma criança - algo que, segundo o exorcista, está longe de ser normal, e que o leva a investigar o que se possa estar a passar. Ao mesmo tempo, Isabel, uma rapariga católica internada na ala psiquiátrica de um hospital comete suicídio, ou pelo menos assim aparenta - a sua irmã, Angela (Rachel Weisz), polícia em Los Angeles com um dom estranho de saber sempre para onde apontar durante confrontos com criminosos, não acredita nessa possibilidade e decide investigar o que poderia levar uma católica devota a condenar-se ao Inferno. 


A investigação de Angela acaba por levá-la até Constantine, que durante um acontecimento invulgar decide ajudá-la - e juntos vão ver-se envolvidos numa vasta trama sobrenatural que envolve jogadores improváveis com um plano de alto risco, o que obriga Constantine a subir sempre a parada. Durante a sua descida ao submundo, nada é o que aparenta - e mesmo Angela e Isabel têm muito que se lhe diga.


Se Keanu Reeves consegue recriar um John Constantine muito próprio, Rachel Weisz também merece destaque na sua interpretação de Angela (e Isabel). E, claro, Tilda Swinton e Peter Stormare, com desempenhos muito interessantes nos respectivos papéis (sobretudo Stormare, o que não surpreende - as suas personagens secundárias são regra geral excelentes). Shia LaBeouf é que não convence como Chaz Kramer, prejudicado também por um argumento que não lhe dá o destaque que talvez devesse.


Essa não é a única falha do argumento - alguns elementos (como o amuleto de Hennessey) ficam por explicar, e o final, ainda que muito interessante pelos seus sucessivos twists, nem por isso deixa de ser um tanto ou quanto previsível para quem esteja um pouco mais familiarizado com alguns dogmas católicos. De um ponto de vista visual, Constantine é um filme bastante sólido, ainda que pudesse beneficiar de alguma imaginação adicional - a visão do Inferno, por exemplo, parece mais próxima do holocausto nuclear do icónico sonho de Sarah Connor em Terminator 2: Judgement Day do que de um Inferno de Hellblazer (ou do que eu imagino que seria um inferno de Hellblazer com as minhas incursões limitadas pela banda desenhada).


Se tomarmos Constantine como uma adaptação directa de Hellblazer para o cinema, não há alternativa: o filme falha em toda a linha. Não consegue recriar o protagonista, as personagens secundárias e mesmo o ambiente tão característicos da banda desenhada, e falta-lhe uma boa dose de horror. Mas se olharmos para Constantine como uma recriação muito livre da personagem em formato de thriller sobrenatural com uma história fechada, o filme acaba por funcionar - sem ser brilhante, tem humor, acção e entretenimento q.b.. A sua componente visual é interessante, e o elenco confere-lhe uma solidez um tanto ou quanto inesperada. Não será decerto o filme que os fãs de Hellblazer gostariam de ver; mas enquanto produção individual baseada naquele universo, não está mal. Se considerarmos outras adaptações de banda desenhada feitas na última década, é bom de ver que o resultado poderia ter sido muito pior. 6.3/10

Constantine (2005)
Realizado por Francis Lawrence
Argumento de Kevin Brodbin e Frank A. Capello com base nos comics de Jamie Delano e Garth Ennis
Com Keanu Reeves, Rachel Weisz, Shia LaBeouf, Djimon Hounsou, Tilda Swinton, Peter Stormare, Gavin Rossdale, Pruitt Taylor Vince e Max Baker
121 minutos

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