14 de maio de 2013

Wreck-it Ralph: All his base is belong to us

É interessante ver Wreck-it Ralph, filme de animação da Disney estreado em 2012, e pensar em como de certa forma está para as gerações do presente como Toy Story, da Pixar, esteve para as gerações anteriores, para as quais os brinquedos tradicionais ainda foram muito importantes. Não que o tenham deixado de ser de todo; mas a verdade é que os videojogos têm vindo a conquistar um espaço cada vez maior no que ao entretenimento diz respeito para miúdos e graúdos, ganhando uma relevância cultural capaz de sustentar uma longa metragem direccionada tanto para as crianças de hoje em dia, que convivem com videojogos desde tenra idade, como para os seus pais, que foram crianças e jovens antes do advento das consolas, quando a arcade culture era ainda dominante no que ao entretenimento interactivo dizia respeito. De facto, a grande força de Wreck-it Ralph é a forma inteligente como constrói todo um universo ficcional baseado nos videojogos utilizando as suas referências, o seu visual e as suas especificidades para dar forma a uma narrativa sólida e, acima de tudo, apelativa para vários públicos distintos. 

Para os mais velhos, Wreck-it Ralph é um filme profundamente nostálgico - mesmo para alguém como eu, que nunca viveu a cultura de arcada (na aldeia onde cresci as máquinas eram escassas, e as moedas mais ainda) e que entrou mais a sério no mundo dos videojogos já durante a adolescência, com uma Playstation original, cinzenta e rectangular. As inúmeras referências a videojogos mais antigos, a reunião do grupo de apoio "Bad-Anon" com alguns vilões clássicos, os easter eggs escondidos na fascinante "Game Central Station" - todos estes elementos são introduzidos logo nos primeiros minutos, dando profundidade àquele universo e enquadrando na perfeição tanto as personagens principais, como toda a narrativa do filme. 


Para os mais novos - e também para os mais velhos, ou pelo menos para aqueles que se consigam desligar do fascinante subtexto do filme -, Wreck-it Ralph conta com mestria uma história muito simples. Ralph é o vilão do jogo Fix-it Felix, Jr., mas vive frustrado por estar 30 anos a desempenhar o mesmo papel sem obter qualquer reconhecimento pelo seu trabalho. O grupo de apoio a vilões não ajuda, pese embora as boas intenções dos seus intervenientes - e Ralph decide obter o reconhecimento merecido noutros jogos, como Hero's Duty (numa paródia clara aos shooters modernos) - mas é no colorido e açucarado Sugar Rush (reminescente de Mario Kart e de outros títulos do género) que vai viver uma inesperada aventura na companhia da improvável Vanellope.


O voice acting é soberbo: John C. Rilley dá vida de forma especialmente feliz a Ralph, e Sarah Silverman dá a Vanellope uma voz perfeita para a sua hiperactividade contagiante. O restante elenco inclui Alan Tudyk como King Candy, Jack McBrayer como Felix, Jane Lynch como Calhoun e Mindy Kaling como Taffyta. É uma pena que, no que à exibição do filme em Portugal diz respeito, não tenha havido (tanto quanto sei) a possibilidade de ver o filme na versão original. Nada contra as versões dobradas - mas não são para mim, e não estou disposto a pagar para ver um filme dobrado (sobretudo depois de algumas más experiências com dobragens - veja-se o caso de Shrek, por exemplo). De resto, escapa-me a lógica que determina que mesmo uma sessão de meia-noite tenha de ser dobrada.


Mas voltando ao filme propriamente dito: se a primeira parte de Wreck-it Ralph é uma vertigem de referências, gags e muitos detalhes interessantes, a segunda assume um tom um pouco mais sério (mas nunca demasiado sério), com alguns twists muito interessantes a serem introduzidos no enredo. Este, por mais simples que seja, nunca abandona o universo que lhe serve de base, e vários dos seus plot devices são inspirados também nos videojogos. As referências são uma constante - mas nesta parte mais discretas, quase camufladas no cenário à espera de um olhar atento.


Para todos os efeitos, Wreck-it Ralph é mesmo uma viagem nostálgica pela história dos videojogos, com um sem-número de referências recentes (Leeroy Jenkins), antigas (Aerith Lives!) e mais antigas (um Q*Bert sem-abrigo? Genial.); algumas serão mais ou menos evidentes mesmo para quem nunca dedicou atenção aos videojogos; outras são obscuras, e mesmo muitos gamers não as irão apanhar sem a ajuda de, pelo menos, algumas pausas e rewinds. Mas mais do que a nostalgia, Wreck-it Ralph mostra de forma exemplar como os videojogos são parte inalienável da cultura popular dos últimos 30 anos - e fá-lo com humor, com excelentes personagens, com um trabalho de voice acting soberbo e com uma narrativa relevante a sustentar todas as suas referências. Para uma geração que cresce e que convive de perto com este meio, Wreck-it Ralph tem o potencial de se vir a tornar num clássico. 8.4/10


Wreck-it Ralph (2012)
Realizado por Rich Moore
Argumento de Rich Moore, Phil Johnston, Jim Reardon e Jennifer Lee
Com John C. Rilley, Sarah Silverman, Alan Tudyk, Jack McBrayer, Jane Lynch e Mindy Kaling
108 minutos

Sem comentários: