12 de abril de 2013

A distopia publicitária de The Space Merchants

Alguns dos livros consensualmente mais populares dentro do vasto género que é a ficção científica são distopias. Várias décadas após a sua publicação original, livros como Nineteen Eighty-Four, Brave New World, Fahrenheit 451 ou A Clockwork Orange continuam ser relevantes, e lidos com frequência, não só pela sua superlativa qualidade literária como também - sobretudo, talvez - pelos futuros que os seus autores imaginaram, tão tenebrosos como verosímeis. Estas serão porventura as distopias mais conhecidas, dentro e fora do género; outras há, porém, que apesar de nunca terem alcançado o mesmo sucesso mainstream, nem por isso são menos relevantes nas suas abordagens e nos seus futuros imaginados. Um desses casos é The Space Merchants, a distopia comercial e publicitária imaginada por Frederik Pohl e Cyril M. Kornbluth e publicada em 1953.

Pohl e Kornbluth imaginaram em The Space Merchants um século XXII sobrepovoado e dominado não por políticos, economistas ou líderes religiosos, mas por publicitários. A sociedade, dividida entre produtores abastados e consumidores a viver em condições miseráveis, está dominada por um capitalismo degenerado, uma autêntica selva na qual tudo vale para os produtores comercializarem os seus produtos - desde campanhas publicitárias espectacularmente agressivas - e enganadoras, claro - à introdução de substâncias viciantes em inúmeros produtos, de cigarros a rebuçados, para provocar dependência em quem os consome. Agências publicitárias travam autênticas batalhas entre si (literalmente - assassínios de executivos são não só frequentes como legais dentro de determinados parâmetros), e a espionagem industrial abunda. A narrativa centra-se em Mitch Courtenay, copywriter genial de uma das maiores agências publicitárias mundiais, a quem é entregue uma das maiores contas do momento: a campanha publicitária para a colonização de Vénus, planeta recentemente visitado por uma expedição e classificado como "habitável", apesar das suas terríveis condições naturais. Um desafio tão aliciante como perigoso, que obrigará Mitch a sair da sua redoma privilegiada e ver a outra face da sociedade onde vive. 

Mais do que um cautionary tale em formato de distopia, The Space Merchants é uma sátira muito bem conseguida sobre o mundo preverso da publicidade e sobre a capacidade que este meio poderia ter para convencer as pessoas - os consumidores - de que precisam de um determinado produto, ou que as suas condições de vida são muito melhores do que imaginam. Ou mesmo, quem sabe, que será desejável correr para conseguir um lugar na primeira nave de colonização de um planeta aparentemente inóspito. Na construção deste futuro, Pohl e Kornbluth forjaram algumas imagens inesquecíveis (a "Chicken Little" e o "Coffiest", para referir as mais óbvias), mostrando as várias faces deste mundo através do ponto de vista  de Mitch, cínico, sarcástico e ainda assim curiosamente ingénuo em alguns momentos. Ainda que num ou noutro ponto The Space Merchants possa parecer um pouco datado, a sátira à publicidade invasiva e enganadora talvez seja hoje mais relevante do que o era há 60 anos - e é veiculada por um protagonista interessante, numa narrativa rápida com tons de mistério. 

Publicado originalmente num formato de série na revista "Galaxy Science Fiction" com o título de Gravy Planet, The Space Merchants resultou de uma ideia de longa data de Frederik Pohl, para a qual Cyril M. Kornbluth deu um contributo importante no desenvolvimento do enredo de Mitch e na conclusão. Para melhor compreender o mundo da publicidade, Pohl chegou mesmo a arranjar um emprego nessa área. Mais recentemente, em 2010, Pohl reviu o manuscrito original, e reeditou-o numa "edição do Século XXI" com várias referências corporativas actualizadas para o presente. Mas independentemente das referências, o universo que imaginou com Kornbluth e a mensagem que a narrativa transmite mantém toda a vivacidade e pertinência. 

4 comentários:

Nuno V. disse...

Parece interessante. Pergunto-me se algumas das "tácticas" publicitárias somente imaginadas na altura passaram a fronteira para o real?

João Campos disse...

Não iria tão longe, mas há alguns detalhes interessantes e irónicos (como o do "Coffiest"). Vale bem a pena :)

Nuno V. disse...

Muito bem, vou pôr na lista to-read.

João Campos disse...

E põe muito bem :)