15 de março de 2013

Ringworld, ou o fascínio da (quase) impossibilidade conceptual

Vencedor do Prémio Hugo na categoria de "Best Novel" em 1970, e dos prémios Nébula e Locus na mesma categoria em 1971: isto, por si só, é uma excelente apresentação para Ringworld, de Larry Niven. um clássico intemporal da hard science fiction. Mas Ringworld é muito mais do que os prémios que (com toda a justiça) recebeu: é um livro extraordinário, com um rigor impressionante, e repleto do tal sense of wonder que torna a ficção científica num género singular e fascinante. 

Ringworld é também a definição quase perfeita de narrativa sobre um big dumb object - para todos os efeitos, será difícil encontrar muito maior na ficção científica. Muito maior do que o fascinante objecto "Rama" de Arthur C. Clarke, o "Ringworld" será porventura mais fácil de conceptualizar de um ponto de vista visual - mas incomparavelmente mais complexo de conceber devido às suas dimensões colossais: um vasto anel de metal, com um milhão de milhas de largura e uma circunferência de cerca de 600 milhões de milhas, de aparência inspirada numa esfera de Dyson, fechado em órbita sobre uma estrela (um sol); na sua superfície interior, um mundo inteiro: oceanos, continentes, montanhas, uma atmosfera retida pelas cadeias de montanhas que delimitam a superfície do anel do espaço exterior, padrões climatéricos. Fauna e flora impossíveis (por um motivo surpreendente). Civilização? Isso é o que o leitor irá descobrir com uma tripulação curiosa (em ambos os sentidos). 

A narrativa começa com a apresentação de Louis Wu, no dia em que celebra o seu 200º aniversário - numa passagem que se revela interessante não só para introduzir o protagonista, mas também para caracterizar a Terra futurista em que vive (na qual um intrincado sistema de teletransporte tornou todo o mundo numa vasta metrópole). E também, claro, para apresentar Nessus, um alienígena de uma raça estranha e enigmática conhecida como "Parson's Puppeteers", chegado à Terra para juntar uma tripulação que o acompanhe numa missão perigosa. Louis junta-se à tripulação, com a sua amante Teela Brown (que embarca na aventura por um motivo muito curioso) e Speaker-To-Animals, um embaixador Kzin, uma raça alienígena de aparência felina que, muitos anos antes, travou uma guerra de larga escala com a Humanidade. É através destas personagens, e das suas fascinantes interacções ao longo de um enredo com alguns twists inesperados, que ficamos a conhecer o detalhado universo de Niven: do estranho e extraordinário mundo de Nessus ao impossível "Ringworld".

E é na caracterização e conceptualização do "Ringworld" que reside a grande força do livro. Muitos leitores consideram aquele mundo como uma personagem adicional, e a interpretação tem mérito: tal como "Rama" no fabuloso livro de Clarke, também aqui o "Ringworld" tem uma presença própria e única - e é apresentada com um rigor impressionante por parte de Larry Niven, que descreve com pormenor aquela forma improvável, com tudo o que ela à primeira vista contém - deixando espaço para muitas perguntas, que podem ou não ser respondidas na narrativa. Uma lição de matemática e de física, quase - a mim, fascinou-me o detalhe com que Niven procurou desenvolver cada aspecto daquele mundo à medida que as personagens o vão explorando - e se vão explorando a elas mesmas e ao universo que partilham, e que não é bem aquilo que cada uma delas pensava ser.

À data da sua publicação, Ringworld incluia alguns erros que foram corrigidos em edições subsequentes - mas que não deixaram de causar alguns episódios caricatos na época. A viagem de Louis Wu pela Terra tinha um pequeno problema de direcção que escapou a Niven, e que gerou alguma pândega entre os fãs (ao ponto de, na sequela The Ringworld Engineers, o autor se referir na dedicatória aos erros da edição original do primeiro livro). Muitos leitores dedicaram-se ao estudo daquele mundo e apontaram-lhe vários erros estruturais, resolvidos nas sequelas. Estes erros, hoje, são um mero detalhe histórico: Ringworld conquistou o seu lugar na ficção científica, e é a todos os níveis uma obra fascinante, com uma aventura ritmada e intrigante repleta de conceitos prodigiosos. Não é prodigiosa do ponto de vista escrito, nem inclui qualquer rasgo narrativo na sua estrutura - mas de um ponto de vista conceptual é impressionante, um feito de imaginação passado para o papel. Para quem gostar da ficção científica dedicada aos bing dumb objects - e, acima de tudo, quem quiser descobrir o célebre sense of wonder que tão bem define uma parte do género -, será sem dúvida leitura mais do que recomendada. 

2 comentários:

André Pereira disse...

Desde que li Iaim Banks e as suas descrições das Orbitals que fiquei maravilhado com estes mundos sintéticos. A minha pesquisa levou-me a Ringworld, um livro a ler no futuro :D

João Campos disse...

Nunca li Banks, mas fiquei a saber que se inspirou no BDO do Niven - tal como o jogo "Halo".

O livro tem as suas limitações, mas é fascinante.