13 de março de 2013

O que se segue na ficção especulativa?

Ando há uma semana para dar resposta a este desafio deixado pelo Luís Filipe Silva no blogue da Trëma,  a propósito do artigo do SF Signal sobre as próximas tendências da ficção especulativa, mas não me tem sido fácil fazê-lo (e não só por falta de tempo). Ainda que a maior parte do meu tempo livre seja dedicada a várias formas de Fantásticos em meios tão diversos como os livros e os videojogos, apenas no cinema e na televisão tenho acompanhado de forma mais ou menos sistemática as novidades do género, algo a que decerto não será alheio o imediatismo destes meios (sim, os videojogos também são imediatos – mas, regra geral, são demasiado caros quando novos). No que à leitura diz respeito, tenho-me dedicado sobretudo à leitura de livros mais antigos – aos clássicos da fantasia e da ficção científica publicados entre os anos 40 e os anos 90, e mesmo desta década li muito pouca ficção científica (mais fantasia, admito: graças a séries como His Dark Materials e A Song of Ice and Fire nos últimos anos, e aos livros de universos interactivos como Magic: The Gathering e Warcraft que tantas horas de leitura me proporcionaram há mais ou menos uma década). Por tudo isto, é-me algo difícil apoiar-me nas minhas leituras para tentar perceber – adivinhar – quais serão as grandes tendências do género nos próximos anos. O que, claro, não me impedirá de pegar na bola de cristal e espreitar (que é como quem diz: dar palpites). 

Julgo, porém, que uma coisa é clara: o facto de um tema ou de uma convenção (no sentido de trope) se tornar muito popular não significa que se torne recorrente. Sim, aconteceu com o tema dos vampiros, das distopias young adult, dos zombies e, ao que parece, está a acontecer no steampunk; mas, por exemplo, a literatura de fantasia não conheceu uma explosão de histórias passadas em escolas de feitiçaria, e é difícil imaginar uma série literária contemporânea mais popular do que Harry Potter (The Lord of the Rings viu o seu impacto renovado na viragem do milénio com os filmes de Peter Jackson, mas a sua marca – persistente – no género é mais antiga). Dito de outra forma: um best seller não terá necessariamente de fundar uma tendência dominante, ainda que nos dias que correm as probabilidades de que o faça sejam elevadas. 

Este é, para mim, o grande mistério daquela que julgo ser a grande tendência dos próximos anos na literatura especulativa, e que aliás já começou: o steampunk (sim, é batota: estou a entrar no comboio com ele em andamento). No artigo original do SF Signal, vários foram os autores que apontaram este (sub)género como a próxima galinha de ovos de ouro, e a coisa parece confirmar-se: fala-se imenso do steampunk, as livrarias estão repletas de livros de steampunk, e a sua estética peculiar parece, não sem ironia, mais actual do que nunca. O que é curioso – o tal mistério a que aludi no início deste parágrafo – é que, ao contrário das outras tendências, nesta não consigo identificar uma obra que marque o seu início (passe a simplificação: os vampiros tiveram Twilight, as distopias tiveram The Hunger Games, e os zombies tiveram… The Walking Dead? É uma boa pergunta, esta). Obras consideradas seminais do steampunk, como The Difference Engine, são bem mais antigas, mas o apelo do (sub)género é inegável, sobretudo no segmento young adult, com várias séries literárias actualmente em desenvolvimento. Até o Discworld de Terry Pratchett se parece virar para o vapor, numa época em que a IBM prevê que o steampunk seja uma das tendências mais fortes do ano. Enfim, talvez seja caso para perguntar a quem percebe da poda.

No resto, creio que o tom da fantasia e da ficção científica dos próximos anos continuará a ser sombrio. Não é preciso deixar hiperligações: uma pesquisa rápida no Google revelará num instante inúmeros artigos dos últimos três ou quatro anos sobre o pessimismo que parece reinar no género. Algo que não é difícil de ver: até a literatura orientada para os mais jovens parece apostar nas distopias, ainda que com um carácter um pouco light. Vivemos numa época estranha e um tanto ou quanto sombria, o que pelos vistos se reflecte na literatura: o adjectivo (importado) da moda é gritty, e é assim que os leitores querem a sua fantasia e a sua ficção científica: suja, sangrenta, (pseudo)"realista". Não que daqui venha algum mal ao mundo, claro; mas seria decerto interessante assistirmos a um ressurgimento do "optimismo" que marcou a célebre golden age da ficção científica: as grandes histórias de exploração, a superação das capacidades humanas, o puro encantamento do desconhecido. 

E é um pessimista quem o diz. 

16 comentários:

Safaa disse...

De facto, a fantasia que se quer neste momento é do estilo grimdark, embora esteja rodeada de alguma controvérsia. Pena a ficção científica estar nas ruas da amargura em termos de vendas.Tirando as distopias Young-Adult do estilo do "Hunger Games", o público não está interessado na FC que se lia na Golden Age. No outro dia observei uma discussão entre autores britânicos nas redes sociais que diziam que os editores estavam a rejeitar toda a FC que não fosse space-opera... Imagino que seja a space-opera ao estilo de Star Wars.

Rogério Ribeiro disse...

Olá,

Apesar de concordar com o tom do teu artigo, não posso deixar de discordar de alguns dos detalhes.

1- Não viste uma explosão de escolas de magia, em senso estrito, mas quantas escolas, academias, institutos, etc, de criaturas sobrenaturais viste aparecerem?

2- Sem dúvida foi o Twilight a massificar os vampiros, mas quanto a Hunger Games e Walking Dead vejo tanto problema como com o steampunk. Nestes casos, essas obras são produto de um aumento paulatino, e não a sua fonte. Depois do Harry Potter tornou-se normal a busca (e quando não se encontra, inventa-se) da next best thing, o que explica a entronização de algumas obras, mas sempre como sumarização de uma corrente já popular.
Voltando ao steampunk, o argumento tem uma peculariedade: a fonte do tal sucesso em crescendo vem por via do estilo visual, e não da literatura. A literatura recupera agora o seu lugar nesse comboio. De qualquer forma, essa é claramente a current best thing.
A próxima? Sei lá! No nosso caso, diria que é a história portuguesa alternativa, muito por culpa do que a antologia do Barreiros indicia, e que acho que pode ser levado ainda mais longe. Haja massa crítica para isso...

Abraço,
Rogério

João Campos disse...

Não sei que tipo de space opera se anda a publicar hoje em dia, Safaa (ainda que esteja curioso quanto a alguns autores). Mas se a tendência "grimdark" (boa expressão) também se fizer sentir na FC, diria que Star Wars não será o modelo.

A mim, o tom "grimdark" cansa-me um bocado - não tanto de o ler, mas mais da opinião generalizada de que é sempre preferível ao tom mais optimista e heróico que marca outro tipo de fantasia.

João Campos disse...

Rogério, por favor discorda :)

1. Talvez, mas isso em si faz repetir uma trope, e não um tema. Academias de magia já a Le Guin tinha na ilha de Roke em Earthsea, ou o Pratchett na Unseen University de Ankh-Morpork :) O ponto é outro: a contrário do que aconteceu com "Twilight", a série "Harry Potter" não inundou o mercado de histórias idênticas.

2. O argumento parece-mais problemático para The Walking Dead do que para The Hunger Games. Para mim, os zombies estavam longe de ser uma novidade - já eram interessantes desde que joguei Resident Evil 2 pela primeira vez em 1999 (por favor não me fales dos filmes). Mas nas distopias YA, o que antecedeu The Hunger Games? Talvez sejam mais o resultado do tal tom "grimdark" do que de uma tendência concreta, mas a verdade é que agora tens por aí vários livros do mesmo género, e alguns estão a ser adaptados ao cinema (o que ajuda sempre).

3. Quanto ao steampunk, sim, é provável que este ressurgimento seja essencialmente estético. Mas mesmo a estética teve de vir de algum lado..!

4. Sempre tivemos uma queda pela história, pelo que não me admiro se tiveres razão.

Abraço,
João

Artur Coelho disse...

O steampunk ganha força, mas honestamente penso que seja mais como estética visual retro aliada aos movimentos maker e diy. a malta do arduino apanhou o gosto pelo latão.

também não consigo ver uma tendência específica a definir-se. talvez seja isto que caracteriza a ficção especulativa contemporânea: um difuso sentido surrealista, misturando o onírico com o tecnológico num escapismo erudito e elegante. e sim, assino por baixo no teu apelo às armas para uma ficção que restaure a crença num futuro mais radioso. mas as épocas das ficções estão intimamente relacionadas com o espírito dos tempos aos quais são contemporâneas. o espírito dos dias de hoje é decididamente depressivo.

João Campos disse...

Bem sei, Artur. A Golden Age e a New Wave não surgiram por acaso. Mas mesmo que o optimismo não regresse, então que regresse o "sense of wonder".

"a malta do arduino apanhou o gosto pelo latão." Bazinga!

Artur Coelho disse...

bazinga? wow,

curiosamente, onde eu vejo futurismo hipermoderno a roçar o utópico cheio de força é na arquitectura e sociologia cultural de vanguarda. essa malta anda num frenesi a remixar o mundo contemporâneo. será que a design fiction vai ser a grande ficção futurista do futuro próximo? é que essa malta não tem problemas nenhuns em perguntar-se sobre a mesclagem entre natural e tecnológico, espaço urbano como entidade orgânica e outras ideias que fazem parte das especulações da fc.

João Campos disse...

É uma boa questão, mas nessa área já fico fora de pé (e não sou um bom nadador, passe o eufemismo). Talvez a ficção científica esteja a precisar de novas especulações. Ou das antigas, com novas roupagens.

Artur Coelho disse...

entre o bldblg e o nextnature ficas logo com a coisa em pé. remata com o beyond the beyond do bruce sterling na wired (é um barómetro que anda dias ou semanas à frente do mainstream). note-se que o geoff manaugh (que deves conhecer do io9, escreve lá umas colunas giras sobre futurismo e arquitectura) proclama no blog dele architectural conjecture - urban speculation - landscape futures e é levado muito a sério.
http://bldgblog.blogspot.pt/
http://www.nextnature.net/

estes tipos brincam sem quaisquer complexos com futurismo e especulação. misturam ballard e debord com impactos de tecnologias e projecções utópicas do que poderá aí vir.

João Campos disse...

Talvez, talvez. Mas a arquitectura é uma área que não me atrai muito. E resta saber como é que isso tudo se relaciona com aquilo que a mim me interessa: boas histórias.

(Debord? O horror, o horror..!)

Artur Coelho disse...

a relação? substrato cultural. ideias que andam no ar, à espera de malta com talento para as agarrar. húmus para fertilizar boas histórias. quanto mais velho fico mais me interessa o que está por detrás, as géneses, raízes e profundos porquês, alguns dos quais apesar de mudarem de aspecto vão-se mantendo curiosamente contínuos.

(e sim, débord, passa a mão húmida pela cabeça desprovida de cabelo, the horror, the horror... mais vale uma frase de mcluhan do que vinte pronúncias do débord, mas enfim...)

João Campos disse...

É um bom ponto de vista. Resta ver se o adubo serve.

(a aversão a Debord deve-se a um trabalho académico sobre "A Sociedade do Espectáculo". Já as aulas sobre Innis e McLuhan eram muito interessantes)

Anónimo disse...

Sense of wonder? Nas décadas antes da Era Espacial, percebia-se que era uma questão de tempo. Havia muito por onde seguir para chegar aos planetas, era possível sonhar. Mas hoje, o que resta? As estrelas estão, pela física actual, fora do nosso alcance. Estão mesmo. E na Terra tudo se rendeu ao poder dos economistas/contabilistas/especuladores - que nada vêem no céu para lá de um gigantesco outdoor para publicidade futura.

João Campos disse...

Pela física actual, sim - mas não necessariamente pela futura. De resto, é perfeitamente possível criar histórias de ficção científica formidáveis sem sair do Sistema Solar. Em termos de "sense of wonder", poucos livros que li chegam perto de "Rendezvous With Rama".

André Pereira disse...

Acho que já venho tarde e nem sei se o comentário será adequado, mas aqui vai.
É uma questão de modas e memórias, da mesma maneira que as turtle neck voltam ou as calças de bombazine, vários temas/tropes acabam por emergir. Basta haver uma faísca.
Twlight despertou os vampiros; Harry Potter despertou as academias; Walking Dead, os zombies. Quanto tempo falta para alguém se lembrar da múmia?

Ah, mais, Game of Thrones está a empurrar a fantasia medieval e as pessoas procuram sempre alternativas. Quando a série acabar, as pessoas partem para outras coisas. Até daqui a x anos.
Lembra-te de Mass Effect e do ciclo dos Reapers :D

João Campos disse...

Com múmias já tiveste filmes. E foram fraquitos, ainda que rentáveis.

O que me aborrece no fenómeno de Game of Thrones não é tanto os livros ou a série em si (gosto muito de ambos), mas a opinião que se generalizou em redor da coisa. Como se tudo tivesse de ser "grimdark" (para usar a excelente expressão que a Safaa trouxe).