28 de março de 2013

Mass Effect 3, um ano depois (2)

(A continuação e conclusão - um pouco atrasada - do artigo de Segunda-feira. Mantém-se o alerta de Spoilers)

Um dos elementos mais interessantes de Mass Effect 3 - aliás, de toda a série Mass Effect - é a forma como as escolhas passadas se reflectem ao longo dos três títulos para dar forma a uma narrativa mais ou menos coesa, mais ou menos personalizada. O resultado não é perfeito: se há decisões que foram muito bem transpostas para os jogos seguintes (Virmire, no primeiro), outras foram uma desilusão (a rainha Rachni, também no primeiro). Acontece que um dos principais problemas apontados ao polémico final do jogo prende-se sobretudo com este factor, e pelas consequências que as decisões tomadas ao longo dos três jogos têm no final da narrativa. E a verdade é que têm muito pouco, mesmo considerando o Extended Cut. E isto deve-se sobretudo à forma desastrada como a Bioware lidou com uma excelente ideia: os Effective Military Strenght.

5. War Assets, Effective Miitary Strenght: O Embuste
A ideia é relativamente simples: com base nas opções tomadas e pelas personagens sobreviventes em Mass Effect e Mass Effect 2, são atribuídos ao jogador War Assets que vão contribuir para uma classificação que determina o grau de preparação para enfrentar a frota dos Reapers. Esta classificação é designada por Effective Military Strenght e tem em conta tudo o que possamos imaginar: decisões, sobreviventes, missões secundárias. Quanto mais elevada for a classificação, maior será o grau de preparação da força aliada reunida por Shepard para derrotar os Reapers. No papel, esta ideia é excelente; na prática, a Bioware condenou-a à irrelevância em dois simples passos: associou-lhe o modo multiplayer (um disparate de bradar aos céus) e desligou-a por completo das decisões do final. As únicas variáveis determinadas pela EMS são o acesso aos três finais, a possível sobrevivência do protagonista (nunca explorada, e por isso irrelevante) e o grau de destruição da Terra após tudo se resolver - algo que nem faz muito sentido, uma vez que qualquer decisão de Shepard retira a frota de Hackett de combate, excepto numa opção do Extended Cut. Mas já lá iremos. 

6. O solitário sprint final e o desastrado abandono das convenções
Regressado à Terra com a frota que foi possível arranjar, e com o Crucible a caminho, Shepard aterra em Londres e enfrenta os Reapers no solo naquela que se esperaria ser a missão final do jogo, uma caminhada épica até à batalha final com Harbinger e, depois, à resolução da batalha em órbita. Algo como a missão suicida de Mass Effect 2, mas de forma ainda mais elaborada. O resultado foi, de facto, uma missão muito intensa - mas que está limitada a Shepard e aos dois companheiros seleccionados, com uma autêntica galeria de tiro em modo sprint pelas ruínas de Londres. Faltou toda a atmosfera de Mass Effect 2, faltou a presença de outros elementos, e, claro, faltou a batalha final com Harbinger, estabelecido como o próximo grande vilão desde o jogo anterior. Casey Hudson, responsável pelo desenvolvimento da série, disse que introduzir algo como um "boss" final seria "too videogamey" (cito de memória). Sem dúvida; Mass Effect 3, porém, é um videojogo - não um filme, uma série ou outra coisa qualquer. Hudson talvez quisesse algo inovador e artístico, mas aquilo que conseguiu foi apenas algo anticlimático e muito, muito estranho (e apesar do que se possa pensar, nem sempre o estranho é artístico. Por vezes, é apenas disparatado).


6. Crucible: uma Chekov's Gun de pólvora seca
Toda a narrativa de Mass Effect 3 assenta no plot device do Crucible - uma arma de dimensões tremendas que ninguém sabe quem concebeu ou como pode ser construída, mas que poderá contribuir de forma decisiva para eliminar a ameaça dos Reapers. Na verdade, o Crucible - e, mais tarde, o Catalyst - serve apenas como pretexto para manter a narrativa no rumo pré-estabelecido. Não é uma arma, mas mais uma forma de controlo; e, ao assumir a sua natureza, condena à irrelevância tudo aquilo que, em termos de enredo, fora determinado até àquele ponto. Um twist, sim, com a forma do Catalyst e aludido nos vários sonhos que Shepard tem ao longo da narrativa (mais um plot device gasto), mas que é introduzido sem razão ou lógica aparente - não com um propósito, mas como um fim em si. 


8. A fuga narrativa e a oportunidade desperdiçada
No momento em que o twist é revelado e as três - quatro - escolhas para a resolução do conflito são apresentadas ao jogador, a já muito danificada lógica narrativa dos últimos 20 minutos cai por terra com estrondo. E o problema reside justamente na lógica narrativa - e não no desejo de um qualquer "final feliz", como muito se disse na altura (e se diz ainda, sempre que o tema surge). Se o twist e a apresentação das escolhas já é um sinal muito negativo em termos de continuidade narrativa, qualquer uma das escolhas marca uma demarcação muito clara da lógica que sustentava todo o enredo: a opção Destroy entra em conflito com a (potencial) decisão de tomar o partido dos Geth na guerra com os Quarians, ou mesmo de conseguir a paz entre ambas as raças; a opção Control seria o caminho escolhido pelo Illusive Man, e Shepard cedo rejeitou esse rumo; e a opção Synthesis, enfim, é space magic pura, sem explicação ou plausibilidade.

Resta a quarta opção, Refusal, introduzida no Extended Cut. Shepard pode decidir ignorar as escolhas apresentadas pelo Catalyst e "travar a batalha nos seus próprios termos" - o que se traduz numa derrota, no renovar do ciclo e na eliminação dos Reapers no ciclo seguinte, graças à informação deixada por Liara (também ela falível - se o Crucible não resultou, como sabia ela como derrotar os Reapers?). Curiosamente, é esta opção que mostra quão irrelevante a EMS se tornou: resultado da batalha é uma invariável derrota para este ciclo, mesmo que a classificação seja a máxima. Uma vez mais, a Bioware teve uma excelente ideia que acabou por estragar - e, neste caso, por imperdoável despeito. 

Isto, note-se, é apenas um resumo - toda a sequência final tem problemas bem mais graves, que o Extended Cut tentou contornar mas que não resolveu por compleeto (o caso dos mass relays, por exemplo). Com o sistema de EMS tornado irrelevante, os DLC subsequentes tornaram-se algo inconsequentes ao limitar-se a acrescentar enredos laterais a uma história cujo fio condutor é definitivamente quebrado nos momentos finais. Não se tratou, como tanto se disse na altura, de gamer entitlement: foi mesmo uma sucessão de problemas e de inconsistências que mancharam em definitivo uma série de videojogos que tinha tudo para ser uma referência. Continua a merecer destaque - os dois primeiros jogos são excelentes, e o terceiro tem os seus momentos -, mas como projecto narrativo o último jogo tornou-a numa franchise menor, que não soube aproveitar todo o seu potencial. 

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