12 de março de 2013

Event Horizon: Entre o realismo científico e o horror insustentável

É possível – fácil, até – encontrar na ficção científica cinematográfica várias obras que usam premissas habituais do género para construir narrativas orientadas para o horror. Alien, de Ridley Scott, será porventura um dos melhores exemplos – se não inaugurou, pelo menos tornou muito popular a ideia de uma nave humana entrar em contacto com um elemento estranho que vai aterrorizar e eliminar de forma metódica e impiedosa a tripulação. Sunshine, de que falei há algumas semanas, utilizou imagens muito idênticas às do filme de Ridley Scott para um efeito similar; e, uma década antes, Paul W. S. Anderson procurou recriar aquela atmosfera de terror e tensão numa narrativa sustentada por vários elementos de hard science fiction em Event Horizon

Em termos narrativos, a premissa de Event Horizon assenta numa série de boas ideias que tornam o filme muito promissor. Anos antes, foi construída uma nave espacial com um motor experimental que poderá contornar a Teoria da Relatividade e levar a Humanidade até a estrelas distantes. Na prática, o que este mecanismo faz é dobrar o espaço e o tempo de forma a passar de um ponto para o outro de forma quase instantânea, permitindo viajar muitos anos-luz sem problemas. Essa nave, que recebeu o muito apropriado nome de "Event Horizon", teve a sua viagem inaugural, mas desapareceu sem deixar rasto para lá da órbita de Neptuno. Foi considerada desaparecida até ao dia em que a "Lewis & Clarke", uma nave de resgate, é enviada para aquele distante planeta para localizar um sinal de socorro entretanto recebido – e que se vem a saber ter origem na "Event Horizon". Toda esta ideia é explorada de forma muito interessante: o jargão técnico e científico é explicado (e parodiado), e houve da parte dos argumentistas algum cuidado com detalhes que dão um maior realismo à longa viagem da "Lewis & Clarke" para Neptuno. O pormenor de a nave seguir sozinha o rumo traçado enquanto a tripulação se mantém em animação suspensa no interior de tanques cheios de líquido para sobreviver à aceleração é particularmente bom – quase reminiscente do rigor científico de Joe Haldeman em The Forever War, algo que é sempre muito bem vindo à ficção científica cinematográfica. Todo o interior da nave parece realista, usado, e acima de tudo, verosímil.


O pior é tudo o que se segue: a partir do momento em que a tripulação encontra a "Event Horizon" e decide explorá-la para descobrir o que aconteceu à tripulação, a narrativa começa a perder-se numa espiral de acontecimentos sem nexo de causalidade ou verosimilhança, contrastando com o rigor que pautou os primeiros momentos do filme. Algo começa a afectar a tripulação, que de repente começa a sofrer alucinações com os seus maiores desejos ou receios – mas a explicação que é dada para estas alucinações, como para o que aconteceu à tripulação original da "Event Horizon", é no mínimo obscura. As alucinações  e outros elementos vão dando várias pistas sobre o que aconteceu e sobre o que está a acontecer, mas em momento algum se fica com uma ideia mais ou menos clara sobre o que a nave possa ter encontrado do outro lado, ou sobre o seu improvável regresso. E à medida que a tripulação cede à loucura, acontecimentos bizarros e vagamente grotescos sucedem-se sem uma lógica aparente – e a explicação para o regresso impossível de uma personagem marca o momento em que o filme entra em jumping the shark.


O que é uma pena, pois Event Horizon assenta numa premissa interessante e parte de um realismo extraordinário para ser condenado a uma quase irrelevância com a sua queda numa espécie de misticismo espacial que pouco nexo tem. O bom elenco não consegue dar a volta às fragilidades do argumento a partir do momento em que este cede em definitivo ao horror e usa as convenções do género da pior forma possível. É certo que de um ponto de vista visual Event Horizon é um filme interessante, está repleto de imagens marcantes, e o ritmo narrativo do filme, ainda que irregular, deixa espaço a alguns sobressaltos. A atmosfera, porém, ainda que algo desconfortável, nunca chega sequer perto de outros clássicos do género. Talvez necessitasse de mais algum tempo - com 96 minutos de duração, revela-se um filme talvez demasiado curto para explorar as várias ideias que propõe 5.9/10


Event Horizon (1997) 
Realizado por Paul W. S. Anderson
Com Laurence Fishburne, Sam Neill, Joely Richardson, Richard T. Jones e Jason Isaacs. 
96 minutos

4 comentários:

André Pereira disse...

Vi este e muitos filmes do género quando andava com a febre de Dead Space - e ainda ando, mas do primeiro.
Acho que filmes de terror situados em naves espaciais têm um certo apelo de claustrofobia. Para onde vais fugir?

João Campos disse...

"Alien" joga muito bem com isso. Mas "Event Horizon" é um subproduto muito fraco - não chega sequer perto do "Sunshine", que com todas as suas falhas e limitações é um filme muito bom.

Marco Lopes disse...

Tenho de concordar com tudo o que o João Campos escreveu, realmente uma premissa muito boa, e um inicio de filme excelente com elenco muito bom, mas que "descamba" (e muito). Quem sabe se não haverá alguém que consiga fazer um remake com mais qualidade, os elementos base estão lá.

João Campos disse...

Não me tinha ocorrido essa possibilidade. O potencial está lá, de facto.