6 de fevereiro de 2013

O verdadeiro space western: Cowboy Bebop

Já que a ideia hoje é falar de Cowboy Bebop, então que se comece pelo óbvio:



A música, já agora, é de Yoko Kanno, com interpretação dos The Seatbelts. Cowboy Bebop até poderia não ter mais nada a seu favor, que continuaria a ter um genérico formidável e uma das melhores - se não a melhor - banda sonora que já ouvi numa série televisiva. E as influências musicais da série revelam-se em mais do que a banda sonora: vários episódios têm títulos de músicas muito conhecidas, ou aludem a outras composições icónicas. Mas a verdade é que este clássico da animação japonesa é muito mais do que a sua componente musical. 

É possível que Cowboy Bebop não seja o primeiro caso em que dois géneros tão distintos como o western e a ficção científica foram combinados para contar uma história, mas até à estreia (e cancelamento prematuro) de Firefly em 2002 terá sido sem dúvida um dos mais populares exemplos desta mistura - e um dos mais bem sucedidos também. Aproveitando ao máximo o que de melhor ambos os géneros têm para oferecer, Cowboy Bebop conta a história de um grupo de caçadores de prémios muito peculiar, que a bordo da nave BeBop viaja pelas várias colónias do Sistema em busca de trabalho.

A narrativa tem lugar em 2071, época na qual a Humanidade colonizou os planetas interiores, vários asteróides e algumas das luas de Júpiter. Em grande medida, esta colonização foi forçada: um acidente com um portal de hiperespaço provocou uma enorme explosão que danificou parcialmente a Lua e envolveu a Terra com detritos e meteoros que causaram uma destruição assinalável na superfície do planeta - o que levou a maioria da população a partir para outros planetas. O centro da civilização humana passou a ser Marte, com o governo, as autoridades e as principais organizações criminosas, que cedo alcançaram um enorme poder. Minadas pela corrupção e pela burocracia, as forças policiais viram a sua acção muito limitada, e um sistema de prémios (bounty) foi instituído, tal como no Velho Oeste. A associação é feita na própria série: os caçadores de prémios são conhecidos por cowboys, e programa de televisão dedicado aos alvos e às recompensas inclui apresentadores vestidos a rigor. É neste contexto que surgem os caçadores de prémios da nave BeBop, um grupo muito invulgar: Jet Black, o dono da Bebop, é um ex-polícia que decidiu exercer a justiça por outros meios; Spike Spiegel é um antigo assassino da organização criminosa Red Dragon que deixou a vida de crime; Faye Valentine é uma hábil caçadora de prémios viciada no jogo e sem memória do seu passado; e Ed é uma hacker pré-adolescente extraordinariamente talentosa. O acaso reúne este grupo, que acaba por juntar os seus talentos para resolver alguns casos mais complicados, enquanto o passado sombrio de Spike ameaça regressar para assombrar toda a tripulação da BeBop.

A história desenvolve-se no clássico formato de "um caso por episódio", com um enredo a ser desenvolvido nas entrelinhas de alguns episódios, dando à série um desfecho lógico no final da temporada. Ao longo dos episódios, o passado das várias personagens é explorado (o episódo de Faye merece destaque), assim como o seu dia-a-dia na BeBop e o problema constante que representa o frigorífico vazio. Isto dito assim tem piada, e a verdade é que Cowboy Bebop é uma série muito divertida, oscilando de forma perfeita entre episódios com uma maior carga dramática e outros mais ligeiros e propensos à comédia. E o Sistema Solar de 2071 em Cowboy Bebop é um cenário fabuloso: com a Terra rodeada por milhões de detritos e raramente visitada, as várias colónias dispersas por planetas, luas e asteróides ganham relevância e vida, ligadas através de portais de hiperespaço com portagens incluídas (um detalhe delicioso). As mais sofisticadas naves espaciais (como a BeBop e as naves individuais de Spike e Faye) convivem com carros antigos nas colónias, interfaces avançadas de inspiração cyberpunk existem ao lado de bares que não destoariam no final do século XX, e utiliza-se de forma mais ou menos indiscriminada armamento futurista e velhos revólveres de seis tiros. E, num interessante e hoje anacrónico detalhe de época, fuma-se com gosto ao som do jazz, tanto na metrópole de Marte como na sala comum da BeBop.

Cowboy Bebop estreou em 1998 e contou apenas com uma temporada de 26 episódios, que deixou a série com um final aberto e a todos os níveis extraordinário. Em 2001, estreou um filme que, na prática, consiste apenas num episódio alargado da série, não lhe dando qualquer continuidade ou esclarecendo o que quer que seja do final. A sua curta duração não limitou em nada o sucesso: Cowboy Bebop é hoje considerada uma série de culto, um marco na animação japonesa e um dos anime mais relevantes no Ocidente. Com toda a justiça, diga-se de passagem: Cowboy Bebop é uma série extraordinária, com um ambiente único e personagens inesquecíveis. E, de resto, a sua curta longevidade está longe de constituir uma fraqueza. Numa entrevista já antiga, o realizador de Cowboy Bebop, Shinichiro Watanabe, disse não tencionar fazer sequelas apenas porque sim, pois uma saída ainda no auge está mais de acordo com o espírito da série. Por muito que gostasse de ver mais episódios com Jet, Spike, Faye e Ed, não consigo não apoiar esta ideia. Cowboy Bebop é, para todos os efeitos, um clássico da animação japonesa e um clássico da ficção científica. Que se mantenha assim. 9.6/10

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