11 de janeiro de 2013

The Martian Chronicles, ou o planeta vermelho segundo Bradbury

Marte é um tema recorrente da ficção científica. Muitos foram os autores, de Burroughs a Heinlein, que contaram histórias passadas ou relacionadas com este nosso vizinho no Sistema Solar. Mas poucas vezes terá o planeta vermelho sido explorado de forma tão onírica como em The Martian Chronicles (1950, um conjunto de contos que Ray Bradbury publicou em várias revistas de ficção científica nos finais dos anos 40, e que veio a compilar nesta colectânea. Torna-se, por isso, um tanto ou quanto difícil definir The Martian Chronicles: podemos considerar a obra como uma antologia de contos interligados (Bradbury escreveu vários para estabelecer ligações), mas também não será de todo errado defini-la como uma narrativa sequencial em formato episódico. Independentemente da classificação, The Martian Chronicles é um livro notável, uma odisseia fascinante de conquista e perda escrita no estilo singular que notabilizou Bradbury tanto na ficção científica como na literatura mainstream.

Tendo como ponto de partida a primeira expedição que deixa a Terra rumo a Marte (no conto de abertura The Rocket Summer), The Martian Chronicles começa, nos contos iniciais, por observar a odisseia espacial da Humanidade a partir do ponto de vista dos nativos do planeta vermelho. Longe de imaginar o planeta árido e (para todos os efeitos) desprovido de vida que entretanto ficámos a conhecer, Bradbury concebe um Marte habitado por uma civilização pacífica - e os Marcianos estão longe de ver com bons olhos a chegada dos seus vizinhos espaciais. Os contos que se seguem a The Rocket Summer mostram alguns aspectos da civilização marciana, das vidas e das capacidades dos seus habitantes, dos seus modos de pensar e de agir. Vemos isto nos contos Ylla, The Summer Night (um conto especialmente bem conseguido), The Earth Men e The Third Expedition. O conto - And the Moon Be Still as Bright marca um ponto de viragem na narrativa com a quarta expedição humana a Marte - a partir da qual começa um movimento de colonização planetária muito peculiar. 

Se regra geral os contos são interessantes na abordagem que fazem à civilização marciana, à colonização e às idiossincrasias da Humanidade - que não muda apesar de estar noutro planeta - há, claro, alguns que merecem destaque. The Summer Night, já referido, tem como tema dominante a música, sentida a partir dos poderes telepáticos dos marcianos. - And the Moon Be Still as Bright e The Settlers, dois contos sobre a quarta expedição e sobre Spender, o astronauta que se isola dos seus companheiros para explorar as ruínas de Marte. The Fire Balloons, um conto fascinante sobre religião, sobre a subjectividade da experiência religiosa e sobre a forma como o culto religioso se adapta (ou não) a circunstâncias muito diferentes. O tema da censura literária e da destruição de livros que Bradbury viria explorar alguns anos mais tarde em Fahrenheit 451 é o centro de Usher II, mas aqui abordado numa perspectiva muito ancorada ao imaginário fantástico de Edgar Allan Poe. The Martian é um conto emotivo sobre a perda, e sobre as ilusões que estamos dispostos a aceitar para a superarmos. The Long Years regressa a um dos sobreviventes da quarta expedição e ao tema da superação da perda através da ilusão, num conto especialmente tocante. E, claro, There Will Come Soft Rains, porventura o texto mais famoso da colectânea, que inspirado no poema homónimo de Sara Teasdale regressa à Terra para mostrar uma casa automatizada que continua até ao último momento a executar todas as rotinas para as quais estava programada, mesmo após o desaparecimento dos seus ocupantes. 

Os vários contos que compõem The Martian Chronicles merecem destaque pela imaginação e pelas abordagens singulares a temas recorrentes como a perda, a estranheza e o entusiasmo da exploração (entre muitos outros). Mas merecem também destaque pela prosa única de Bradbury, quase poética nas descrições que faz, com frequência irónica nos diálogos e nas situações colocadas às personagens, e sempre vagamente onírica. Bradbury era, de facto, um mestre da palavra escrita - e isso nota-se em cada página de The Martian Chronicles

É interessante notar que, nas edições contemporâneas, a cronologia das histórias foi alterada para as colocar no futuro - na edição original, a exploração e colonização de Marte teria lugar entre 1999 e 2026. A edição de 1997, porém, avançou todas as histórias 31 anos no tempo, com Rocket Summer a situar-se não em 1999 mas em 2030. Resta saber se em 2030 a cronologia voltará a ser alterada, ou se nessa altura já a realidade alcançou a ficção. 

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