16 de outubro de 2012

Em estreia: Looper, ou o regresso da grande ficção científica

Inventadas em 2072, as viagens no tempo foram desde logo foram ilegalizadas. Numa época onde o controlo social é aparentemente apertado, as mais poderosas organizações criminosas cedo perceberam o potencial desta tecnologia para fazerem desaparecer indivíduos inconvenientes. O processo é simples: capturam o alvo, enfiam-lhe um saco na cabeça e deportam-no para o passado, onde se encontra um assassino contratado de arma em punho, pronto a executar a vítima e a desfazer-se de vez do corpo. Simples, eficaz e sem consequências relevantes na linha temporal. A esses assassinos é dado o nome de loopers. A dada altura, todos os loopers têm o seu contrato terminado - findo o seu tempo de serviço, um looper deve matar o seu eu de trinta anos mais tarde, enviado para o seu tempo. Recebe o pagamento em ouro (ao invés da prata usada para pagar os loops normais), e tem trinta anos para desfrutar da fortuna acumulada. Esta é a premissa elementar de Looper, o filme de ficção científica de Rian Johnson (Brick, The Brothers Bloom) com Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis e Emily Blunt que foi aclamado no Festival de Cinema de Toronto e que tem recebido rasgados elogios da crítica cinematográfica um pouco por toda a parte. O que, convenhamos, não deixa de ser curioso (para não dizer raro) - o género não é dado a elogios efusivos, sobretudo da parte da crítica mais mainstream.

A verdade é que os elogios são merecidos. O realizador e argumentista Rian Johnson conseguiu pegar no sempre difícil tema das viagens no tempo e dar-lhe um twist próprio, com um argumento muito bem conseguido: explica o que tem de explicar, deixa as personagens respirar e inclui pequenos momentos de humor muito eficazes. O tema das viagens no tempo é abordado de forma muito curiosa: toda a acção tem lugar no presente da narrativa, e mistura elementos da “teoria”, chamemos-lhe assim, dos paradoxos (vista em Back to the Future, por exemplo) com a “teoria” circular do tempo (presente em Twelve Monkeys, por exemplo). O efeito é curioso - o tempo funciona de forma circular e simultânea, mas alterações em acontecimentos podem ter consequências ao longo de todo o contínuo temporal. Confuso? Um pouco - mas igualmente espectacular.

A narrativa centra-se em Joe (Joseph Gordon-Levitt), um looper de 2044 que, após ver vários colegas a fechar os seus loops, depara-se com um último trabalho - fechar o seu próprio loop, matando a sua versão de trinta anos no futuro (Bruce Willis). O Joe do futuro, porém, não tenciona morrer sem resolver um problema que deixou no seu tempo, e escapa à execução - arrastando o Joe do presente para uma perseguição ao seu futuro enquanto procura escapar ao seu patrão, Abe (Jeff Daniels). No decorrer da narrativa, o seu caminho cruza-se com o de Sara (Emily Blunt), uma mulher com um passado nebuloso e um segredo muito bem guardado numa quinta distante.

Bruce Willis e Joseph Gordon-Levitt são dois actores com créditos já bem firmados na ficção científica - o primeiro com o assombroso Twelve Monkeys (também sobre viagens no tempo), a recriação de Terry Gilliam do clássico La Jetée, de Chris Marker, e o segundo com Inception, de Christopher Nolan (sem esquecer a saudosa e hilariante sitcom 3rd Rock From the Sun). Sem surpresas, o desempenho de ambos no papel do mesmo personagem mas com 30 anos de diferença é bastante bom - com interacções ao mesmo tempo tensas e hilariantes, mas sempre verosímeis. Jeff Daniels e Emily Blunt também apresentam desempenhos muito sólidos, com destaque para Blunt, mais relevante na narrativa de Joe do presente. Mas a surpresa é mesmo Pierce Gagnom, com uma notável interpretação do papel de Cid, uma enigmática criança com um poder muito especial.

Do ponto de vista visual, Looper é assombroso pela sua simplicidade (e pela enorme vantagem de não impingir o 3D ao público). O orçamento de 30 milhões de dólares é relativamente baixo se comparado a grandes produções de acção e de ficção cientíca mais recentes (a título de exemplo: Prometheus teve um orçamento situado entre os 120 e os 130 milhões de dólares; The Avengers teve um orçamento de 220 milhões de dólares, marketing não incluído; Transformers 3: The Dark of the Moon teve um orçamento de 195 milhões de dólares; e mesmo The Hunger Games, mais modesto, teve um orçamento de 80 milhões de dólares). Isso, contudo, não foi um obstáculo para Johnson - os efeitos especiais de Looper são excelentes, servindo o filme ao invés de se servirem do filme (o que, nos dias que correm, não é despiciendo). Ou seja, estão lá como um meio para melhor ilustrar a história. A Kansas City recriada por Johnson tem uma aparência futurista e algo distópica sem no entanto parecer deslocada - não é difícil imaginar uma cidade como aquela daqui a 30 anos. E, convenhamos, as motas voadoras são de fazer inveja ao Marty McFly.

Looper está a ser “vendido” como “o Matrix do nosso tempo”. Não iria tão longe - não há no filme o carácter revolucionário que marcou filmes de ficção científica como The Matrix, Ghost in the Shell ou Blade Runner. O que em nada diminui o filme de Rian Johnson - uma narrativa complexa e bem articulada, sustentada por excelentes desempenhos da parte dos vários actores (principais e secundários) e por uma componente visual de uma economia e eficácia invulgares no cinema de ficção científica contemporâneo. Looper pode não ser a próxima milestone da ficção científica cinematográfica, mas será porventura o melhor que a ficção científica mais hardcore ofereceu nos últimos anos: intenso, visualmente estimulante, a todos os níveis memorável. Não é o The Matrix da década - é o Twelve Monkeys. E isso é muito bom. 8.7/10


Looper (2012)
Realizado por Rian Johnson
Com Joseph Gordon-Levitt, Bruce Willis, Emily Blunt, Jeff Daniels, Piper Perabo e Pierce Gagnom
118 minutos

4 comentários:

Loot disse...

Também acho que exageraram nas comparações ao Matrix e Blade Runner, este não é um marco ou obra-prima de ficção científica.

O que não faz com que deixe de ser um dos grandes filmes de ficção científica da actualidade.

Dava uma nota menor à tua, talvez pela previsibilidade da história entre outras coisas, mas é bom cinema, O Rian Johnson sabe bem o que faz e gosto da forma como brinca com os géneros, coisa que já havia feito tão bem em Brick.

Um senhor a seguir sem dúvida alguma.

ArmPauloFerreira disse...

Admito que estou curioso em ver o Looper mas o facto de tanto o terem apontado como um novo Matrix, coisa que me cai sempre mal quando utilizada à balda, esmoreceu-me o foco de interesse sobre o Looper.
Um dia... verei.

João Campos disse...

Loot, as histórias de viagens no tempo são sempre abundantes em foreshadowing - pelo que se tornam algo previsíveis. Pessoalmente, fiquei surpreendido com o final do filme - o Rian Johnson estava a abordar as viagens no tempo por uma perspectiva e mudou subitamente para outra, de forma a meu ver brilhante.

Sim, sem dúvida um senhor a seguir. Do ponto de vista estético, o filme pareceu-me impecável.

João Campos disse...

ArmPauloFer, as comparações com o Matrix são inevitáveis - se do ponto de vista narrativo Avatar tivesse ido tão longe como foi do ponto de vista visual, certamente seria hoje a referência. Assim, continuamos com o clássico dos irmãos Wachowsky.