18 de outubro de 2012

Defiance: Novo projecto de televisão e videojogos do SyFy Channel e da Trion Worlds

Em 2003, aquando da muito antecipada estreia de The Matrix: Reloaded, foi lançado o videojogo Enter the Matrix, um jogo de acção na terceira pessoa que, na perspectiva da tripulação da nave Logos (Niobe, Ghost e Sparks), estabelece a ligação entre os acontecimentos da curta The Last Flight of the Osiris (no DVD Animatrix) e o filme, e acompanha a narrativa de The Matrix: Reloaded passo a passo. A ligação entre filme e videojogo torna-se particularmente relevante na cena de perseguição na auto-estrada, na qual o jogador tem de conduzir Niobe e Ghost para onde a acção do filme está a decorrer, de forma a "salvar" Morpheus no combate contra o Agente. Para tornar a experiência mais viva e realista, os próprios actores participam no filme - de Jada Pinkett-Smith (Niobe) a Trinity (Carrie-Anne Moss) -, tanto em personagens renderizadas a partir de motion capture como em pequenas sequências de filme "real" filmadas para o efeito.

A ideia foi excelente e diria que foi muito bem sucedida do ponto de vista narrativo. Enter the Matrix, porém, sofria de sérios problemas de jogabilidade que minaram a experiência. É possível que tal se tenha devido a um desenvolvimento apressado para que o lançamento do jogo coincidisse com a estreia do filme. O que não serve de desculpa, mas não deixa de ser uma pena.

Nove anos volvidos, o SyFy Channel (que dispensa apresentações) e a Trion Worlds (estúdio responsável por Rift) apresenta um projecto ainda mais ambicioso: Defiance. Já foi anunciado há algum tempo, mas por algum motivo não reparei nele até hoje. Não sei se Defiance se inspirou de facto em Enter the Matrix, mas o projecto parte de um conceito similar para o levar um pouco mais longe: associar uma série televisiva a um shooter MMO, com os acontecimentos da série a terem impacto no universo do videojogo e vice-versa.







Ambicioso? Sem dúvida. No entanto, todo o conceito de Defiance é tão interessante como problemático, e a minha experiência com MMO (sempre foram cinco anos de World of Warcraft) obriga-me a ter algumas reservas quanto à possibilidade de este projecto ser bem sucedido.

1. Calendarização (1):  Este é o primeiro problema - ou melhor, o primeiro conjunto de problemas. Se a série seguir o formato habitual de um episódio por semana, como consegue a Trion Worlds renovar o videojogo a um ritmo semanal, introduzindo eventos constantes e com densidade suficiente para terem impacto narrativo na série? Se pensarmos em World of Warcraft - de longe o mais popular jogo MMO -  notamos desde logo que os patches que introduzem novos conteúdos às expansões estão separados por vários meses. É possível, claro, introduzir eventos semanais num jogo desta natureza (um ataque alienígena, uma retaliação humana - ou vice-versa), mas é difícil de imaginar que tal ritmo permita aos eventos terem a densidade que uma série televisiva de qualidade exige. 

2. Calendarização (2): Para este projecto funcionar em pleno, é necessário que o SyFy Channel transmita a série praticamente em simultâneo em todo o mundo - ou, pelo menos, em todos os países onde o jogo esteja presente. Não pode haver um desfasamento de semanas ou meses - ou as acções de parte da comunidade de jogadores não terão quaisquer consequências na série, como é pretendido. Isto, note-se, não é exactamente uma dificuldade técnica - é perfeitamente possível estrear uma série nos Estados Unidos ao Domingo à noite e difundi-la em todo o mundo nos próximos dois dias. Essa opção, contudo, não costuma ser explorada pelas produtoras e emissoras (que se esquecem de que vivemos na era da Internet e depois se queixam da pirataria).

3. Interregnos: Assumindo o cenário mais optimista - temporadas de 24 episódios semanais separadas por mais ou menos um ano -, como consegue Defiance manter o mundo virtual persistente sem a série a seguir em paralelo?  Finda a série, o que fazer? Se a narrativa prosseguir no videojogo, com a temporada seguinte a partir do ponto onde o jogo se encontrar, todo o público que não joga está desde logo alienado. Por outro lado, o jogo também não pode parar nas pausas da série - ou é alienada a audiência que se dedica ao jogo. 

4. Nível de interactividade: Até que ponto existe uma verdadeira interactividade entre Defiance-série e Defiance-videojogo? Não é difícil introduzir as personagens da série no universo do jogo, mas o contrário parece-me ser algo complexo - convém lembrar que, num MMO, seja shooter ou RPG, as verdadeiras personagens são os jogadores. As non-playable characters (vulgo NPC) são, por definição, não jogáveis - se a dita interacção passar por elas, nunca haverá interacção efectiva. No entanto, colocar os jogadores e as guildas a interferir na série televisiva parece-me ser muito perigoso - a menos, claro, que se queira uma série com insultos, trolling generalizado e piadas de Chuck Norris às duas da manhã*.

5. Personalização de personagens: Se de facto as personagens jogáveis, individualmente ou em guildas, tiverem um impacto palpável (por pequeno que seja) na série, as opções de customização têm de ser algo limitadas. Dito de outra forma: não pode haver personagens com o nome Ahahahah ou guildas com o nome de "The Pink Bunnies of Doom" (exemplos verdadeiros). Não se isto seja necessariamente mau, mas será sempre polémico. E para flame wars, poucos grupos conseguem bater os gamers

Estas reservas, contudo, não significam que o SyFy Channel e a Trion Worlds não consigam levar avante o projecto Defiance - e se conseguirem ser bem sucedidos, revolucionam o entretenimento como o conhecemos. É caso de esperar para ver e, acima de tudo, resistir ao hype.

Fonte: Rogério Ribeiro | Facebook

*Note-se que tenho a perfeita noção de que nem todas as comunidades de MMO são assim, mas por melhor que a comunidade de Defiance venha a ser, jamais conseguirá evitar alguns trolls.

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