24 de outubro de 2012

Clube de Leitura Bertrand do Fantástico: The Time Traveler's Wife, de Audrey Niffenegger, com Bruno Martins Soares

Bruno Martins Soares, autor de A Saga de Alex 9, foi o convidado especial da sessão de Outubro do Clube de Leitura Bertrand do Fantástico, que teve lugar no passado dia 12 na Livraria Bertrand do Chiado e que contou com moderação de Rogério Ribeiro. Numa sessão muito interessante, o livro em debate, The Time Traveler’s Wife, de Audrey Niffenegger, foi para o escritor “surpreendente, não era o que estava à espera - mais do que um livro de ficção científica é uma história de amor que conseguiu usar de forma muito inteligente a ficção científica para abordar este tema”, superando o desafio de “tornar original uma fórmula dada.” Para Bruno Martins Soares, numa história de amor “o essencial é aquilo que separa o casal, e as viagens no tempo tornaram isso muito interessante”, com a autora “a desconstruir os acontecimentos de forma muito semelhante aos nossos processos de memória” - acrescentando, numa frase lapidar, que “a memória é a verdadeira viagem no tempo”. Audrey Niffenegger terá, assim, construído todo o livro com uma linguagem que recria “a forma como a memória nos ocorre, e como as relações se constroem com base em memórias” - numa estrutura que em si diz qualquer coisa.

Considerando The Time Traveler’s Wife “um livro muito cinematográfico”, Bruno Martins Soares teceu algumas considerações sobre a escrita cinematográfica, por natureza “mais técnica, rígida e programada” que a literária. O que, curiosamente, torna os manuais de argumentismo “nos melhores livros de escrita criativa, pois as narrativas são estudadas à enésima potência.” Neste caso, esclarece o autor, o talento reside “respeitar a fórmula estabelecida mantendo a humanidade, com a emoção e o conflito” que lhe são característicos - algo que também é relevante quando se escreve um romance.

Sobre Alex 9, a saga de Bruno Martins Soares, Rogério Ribeiro começou por introduzir a ideia de que a trilogia fundiu fantasia épica e ficção científica, “duas coisas aparentemente díspares”. O autor explicou que esse foi o ponto de partida, procurando explorar uma premissa curiosa: “e se uma comando do século XXII fosse parar a um mundo medieval?” Esta ideia, já antiga, começou a ser pensada em 1990 - mas a escrita teve início apenas entre 2007 e 2008. “Houve muitos enredos até chegar aqui”, explica Bruno Martins Soares, sublinhando o trabalho de estruturar a narrativa de forma a torná-la funcional. A noção de publicar a obra em formato de trilogia surgiu após conversa com o editor da Saída de Emergência, Luís Corte Real, mas na cabeça do autor “ainda há mais uma trilogia”, uma história por contar.

À época da publicação [o primeiro volume foi publicado em 2009], Bruno Martins Soares “não sabia ao certo qual era a casa ideal para publicar a série - a primeira abordagem foi para uma colecção destinada ao mercado Young Adult (YA), ou seja, de leitores com idades compreendidas entre os 16 e os 25 anos. Essa foi a abordagem inicial da Colecção Teen, da Saída de Emergência, “que correu mal por vários motivos, e apesar das muitas tentativas para fazer a colecção correr bem”. O autor destaca o facto de, em Portugal, não existir o mercado YA tal como existe no universo literário anglo-saxónico - “as livrarias não sabiam onde colocar a colecção, e acabava por colocar na secção infanto-juvenil.” A mundança da série para a Colecção Bang!, a “colecção-mãe” da editora, foi para o escritor “quase um sonho”, e os dois primeiros volumes da trilogia foram reeditados num só volume com o terceiro livro - algo que considera “inevitável, também porque menos pessoas leram o segundo livro e o objectivo era chegar a um público que não tivesse lido a saga.” Esta republicação obrigou a algumas mudanças para trás, ainda que muito poucas - “apenas no prelúdio e no interlúdio”, esclarece o autor, procurando introduzir mais sensualidade e violência numa história que já não estava pensada para um público mais jovem.

A publicação em três livros, na opinião de Bruno Martins Soares, “facilita a estruturação, dado que a estrutura clássica é de três actos, em crescendo até ao clímax.” Uma das inspirações para a elaboração de Alex 9 acabou por ser a estrutura narrativa da trilogia Star Wars original (“que é tanto de ficção científica como de fantasia”), composta por três momentos distintos: um filme introdutório que apresenta as personagens e o conflito, um segundo filme que complica e coloca os vilões em vantagem, e um terceiro filme de resolução e catarse - isto sem comprometer o valor individual de cada uma das obras. Em Alex 9, esta estrutura é de certa forma seguida ao longo da narrativa de Alex. Outra regra que o autor destacou como relevante é a já clássica de show, don’t tell, sublinhando ser “tão importante ter a capacidade de apresentar as personagens como de as esconder”. E deu o exemplo: “a Alex não sabe o que se passa em grande parte da narrativa, pelo que tive de esconder o que se estava a passar.”
A “escola do cinema” de Bruno Martins Soares explica a sua escrita orientada para a acção. “Estamos num tempo onde toda a gente já viu tudo”, defende, pegando na ideia de Jacques Kerouac de que “gerir a acção é gerir as emoções de quem vê ou lê.” Para ilustrar esta ideia, o autor dá como exemplo a animação japonesa, que “há alguns anos tinha a dificuldade de recriar um combate à velocidade de centenas de desenhos, e a solução foi abrandar a acção.” Algo que, mais tarde, foi recuperado pelo cinema, como em The Matrix.

Sobre a possibilidade de virem a ser escritos e publicados contos dentro do universo de Alex 9, Bruno Martins Soares não descartou a possibilidade, apesar de ter deixado a certeza de que o seu próximo livro “não será no Fantástico”. Com a intenção de “escrever muitas coisas diferentes”, estabelece como próximo objectivo “escrever literatura realista”. Quanto à hipótese de publicar no estrangeiro, o autor considera o mercado brasileiro como a alternativa mais viável. Sobre o mercado editorial português, considera, ao contrário do mercado norte-americano, “ser mais fácil publicar do que vender”, com os livros a terem “tiragens minúsculas que só vendem nas prateleiras das novidades”. “O mercado está viciado, muitas editoras não deviam existir - em Portugal existem mais de 2000 entidades editoras.” Viver da escrita também está nos planos de Bruno Martins Soares, mas reconhece que tal “não é possível em Portugal, e não é com livros, mas com cinema e televisão. Respondendo à questão que ele mesmo levantou - “como se sai daqui” -, falou sobre o filme Regret, do qual foi argumentista e produtor, e que deverá estrear em breve no mercado norte-americano.

Finda a sessão, decorreu a Tertúlia Noite Fantástica, num restaurante cujo nome me escapa (mas que posso garantir ser no Bairro Alto). E seguiu de lá para o Pavilhão Chinês, onde se falou de psicanálise, da série The Matrix, de Battlestar Galactica e de muitos outros temas numa noite particularmente animada.

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