16 de agosto de 2012

Game of Thrones: Comentário à segunda temporada

De um ponto de vista global, a segunda temporada de Game of Thrones manteve muito o espírito da primeira. Sem um protagonista claro - na primeira temporada, esse papel coube a Ned Stark -, a série oscilou mais pelas várias personagens relevantes que, dispersas pelo vasto mundo de Westeros e pelas terras a Leste, fazem mover a narrativa. Houve novas introduções relevantes (Stannis Baratheon, Melisandre, Davos Seaworth, Ygritte, Asha/Yara Greyjoy), momentos que capturaram muito bem o espírito de A Song of Ice and Fire, e todos os twists que quem já leu os livros podia esperar. É certo que, dadas as características do segundo livro, A Clash of Kings, seria difícil a esta segunda temporada ser tão fiel à sua fonte como foi a primeira. A adaptação passou contudo relativamente bem, e que se alguns momentos ficaram bastante diminuídos, como a inevitável Batalha de Blackwater, nem por isso deixaram de ser bastante bons. No entanto, enquanto alguns desvios foram interessantes (como a história de Daenerys e o enredo em redor de Arya Stark e Tywin Lannister), outros oscilaram entre o desnecessário e o problemático. (Aviso: Spoilers para quem não leu os livros)


Comecemos pelo problemático: o casamento de Robb Stark. E, para falar deste ponto, convém recordarmos os livros: durante a sua campanha nas Westerlands contra as forças e os castelos dos Lannisters, Robb Stark conquistou a região do Crag, dominada pela casa Westerling. Na batalha pelo castelo principal, é ferido, e enquanto está a recuperar, recebe a notícia da (aparente) morte dos seus irmãos, Bran e Rickon, às mãos de Theon Greyjoy em Winterfell. Num momento de fraqueza, acaba por dormir com Jeyne Westerling, filha do senhor daquelas terras; e, devido à desonra que lhe trouxe, opta por tomar uma atitude "honrada" (ainda que imbecil, muito na tradução dos Stark) e casa com ela, assumindo a responsabilidade pelos seus actos e traindo a aliança com os Frey das Riverlands. Na série televisiva, nada disto aconteceu: Robb Stark conhece uma rapariga das Free Cities, Talisa, no campo de batalha após o combate. Apaixona-se por ela, e decide casar com ela de forma impulsiva, sem por um momento pensar na promessa para com os Frey.

Isto ganha especial relevância na medida em que altera de forma drástica o carácter de Robb Stark - e, ao fazê-lo, mudará inevitavelmente o tom de algumas cenas futuras terão. No livro, é apresentado ao leitor um guerreiro corajoso ainda que algo ingénuo, com um grande sentido de honra, que comete um erro e procura remediá-lo como sabe. É sobretudo por isso que, em A Storm of Swords, o célebre "Red Wedding" é um momento tão dramático e parece, aos olhos do leitor, como um acto extremo e desproporcional, um exemplo perfeito daquele adágio que fala do inferno e das boas intenções. Robb Stark desonrou uma rapariga nobre, casou com ela e procurou por todos os meios remendar a aliança com os Frey (no caso, através de Edmure Tully). Na série, poderá o telespectador condenar verdadeiramente as acções dos Frey? Certo: o "Red Wedding" é um acto bárbaro em qualquer circunstância, mas perde uma parte significativa da sua carga dramática a partir do momento em que Robb Stark começa a agir de forma irresponsável, traindo a aliança com os Frey porque se apaixonou por uma rapariga no campo de batalha. A sensação de injustiça para com os Stark e a sua causa será inevitavelmente mitigada, e o "Red Wedding" perderá muito do seu impacto - sobretudo para quem leu o livro.

Já no que diz respeito a desvios desnecessários da série televisiva face aos livros, julgo que a ausência de Ramsay Bolton dos acontecimentos de Winterfell acabou por se revelar incompreensível. Decerto não teria tornado a série mais longa, e tê-la-ia beneficiado de duas formas: 1) ao introduzir desde logo uma personagem que crescerá em importância ao longo da série e 2) dando um maior dramatismo à narrativa de Winterfell e à queda de Theon Greyjoy. Alguns momentos na série funcionaram muito bem - a decapitação de Ser Rodrik, por exemplo - mas a traição de Theon e a destruição de Winterfell acabam por perder impacto sem a presença de Reek. Não é difícil imaginar que Ramsay Bolton será introduzido de forma numa futura temporada, mas a sua personagem - e o próprio Roose Bolton - teria muito a ganhar se o enredo da série seguisse de forma mais fiel a narrativa original de George R. R. Martin. 

Como era esperado, alguns momentos mais marcantes da série literária não conseguiram a mesma dimensão na adaptação televisiva. A Batalha de Blackwater foi um destes casos, mas conseguiu ainda assim reproduzir alguma da espectacularidade das páginas do livro. Já a passagem de Daenerys pela House of the Undying, um momento particularmente relevante na narrativa, ficou bastante diminuída sem as visões e os presságios, descendo quase ao ponto da irrelevância. 

Apesar disto, a segunda temporada de Game of Thrones continuou a ser bastante interessante - é sempre um prazer ver Peter Dinklage a interpretar Tyrion Lannister, e a teia de intrigas que ele tece entre Littlefinger, Varys e Pycelle para descobrir o aliado de Cercei passou para o pequeno ecrã de forma soberba. Os momentos de Arya Stark com Tywin Lannister, num gritante desvio face aos livros, contam-se entre os melhores da série, e julgo que funcionaram muito bem na narrativa - tal como as "três mortes" pedidas por Arya a Jaqen H'Ghar. O final, esse, foi em grande, com a Night's Watch no Norte distante e os Others a aproximarem-se para a batalha (a prometer um início formidável para a terceira temporada). A dispersão por várias personagens, mais evidente devido à ausência de um protagonista claro, trouxe contudo algumas quebras de ritmo à narrativa, e algumas alterações decorrentes da adaptação revelaram-se desnecessárias e mesmo incompreensíveis. Em termos gerais, Game of Thrones continua a ser uma excelente série televisiva, sem dúvida entre o melhor que se pode ver hoje em dia. No entanto, esta segunda temporada deixou-me bem menos entusiasmado do que a primeira. 

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