3 de agosto de 2012

A Canticle for Leibowitz

Diria que aquilo que torna A Canticle For Leibowitz, o premiado romance pós-apocalíptico de Walter M. Miller Jr., num clássico incontornável da ficção científica é a forma brilhante como o autor aborda de forma simultaneamente descontraída e densa um tema habitualmente soturno e negativo - e a ideia central, bastante simples, de que a História é cíclica e a Humanidade está condenada a percorrer o mesmo caminho outrora trilhado, e a cometer os mesmos erros.

Originalmente, A Canticle For Leibowitz foi publicado nos anos 50 em três contos na revista The Magazine of Fantasy and Science Fiction, editada por Anthony Boucher - mas após a conclusão do terceiro conto, Walter M. Miller, Jr. compreendeu que as três histórias eram, na verdade, uma grande narrativa, e procedeu às alterações e adaptações necessárias para a publicação em formato de romance. Este mantém a estrutura tripartida dos três contos originais, com os títulos latinos "Fiat Homo", "Fiat Lux" e "Fiat Voluntas Tua" - que, num futuro distante, dão conta do reerguer da civilização após a guerra nuclear que devastou a sociedade do século XX. Poucos registos restam do tempo que antecedeu o desastre nuclear, conhecido como "The Flame Deluge", e a memória daquela guerra distante é preservada essencialmente através de textos religiosos (que são, diga-se de passagem, absolutamente delirantes e inteligentes nas imagens que evocam).

Ao longo das três partes, o enredo centra-se na Abadia da Ordem de Leibowitz, uma comunidade católica isolada no deserto do sudoeste norte-americano. Fundada no pós-guerra nuclear pelo enigmático Isaac Leibowitz, a esta comunidade religiosa dedica-se à preservação do conhecimento num tempo em que a ciência e a literacia são recebidas com profunda desconfiança - e, frequentemente, à pedrada - pela população maioritariamente iletrada. "Fiat Homo" acompanha o Irmão Francis Gerard durante a sua vigília no deserto, que o conduz a uma descoberta surpreendente dos tempos que se seguiram imediatamente à catástrofe, e o levam a dedicar-se à preservação de um antigo texto atribuído a Leibowitz e à santificação do seu patrono pela autoridade papal de Nova Roma. Desta primeira parte para a segunda, "Fiat Lux", decorrem alguns séculos; a Ordem de Leibowitz permanece empenhada na sua missão de preservar o conhecimento da Humanidade, mas a autoridade religiosa começa a ser desafiada pelo poder secular - tal como a fé começa a encontrar alguma oposição na ciência. Por fim, em "Fiat Voluntas Tua", a civilização humana já recuperou a tecnologia perdida, e avançou consideravelmente em muitos domínios - entre eles, a exploração e a colonização espacial. A Ordem de Leibowitz continua a desempenhar a missão de preservar o conhecimento, mas vê-se confrontada por novos desafios, à medida que o mundo parece precipitar-se novamente para o abismo. 

O tom humorístico que atravessa toda a obra empresta particular força ao carácter circular da narrativa, dando-lhe em muitas ocasiões um ponto de vista satírico, quando não cínico. Walter M. Miller, Jr. descreve na perfeição um mundo em ruínas, a todos os níveis primitivo, e mostra como a sua ascensão é feita não por inovação mas por repetição - na qual as personagens acabam por ser, sem o saberem, meros peões num jogo que não conseguem compreender. A escrita inteligente e ritmada completa uma obra imprescindível na ficção científica, e muito elogiada fora dos seus círculos tradicionais. Aliás, A Canticle for Leibowitz foi inicialmente mais bem recebido na crítica literária mainstream do que na própria ficção científica - o que diz muito sobre o carácter singular desta obra. 

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