11 de julho de 2012

Clube de Leitura Bertrand do Fantástico: The Empire of Fear, de Brian Stableford, com João Barreiros

A última sessão do Clube de Leitura Bertrand do Fantástico, que decorreu na passada Sexta-feira, foi curiosa: falou-se mesmo muito pouco do livro em debate, The Empire of Fear (O Império do Medo, na edição portuguesa da Saída de Emergência), de Brian Stableford - decerto para felicidade dos presentes que estavam ainda a meio da leitura. O que, entenda-se, está longe de constituir um problema quando o convidado da sessão é João Barreiros, escritor maior da ficção científica portuguesa, que tem sempre qualquer coisa interessante - e muito divertida - para contar. Nada que quem frequente anualmente o Fórum Fantástico não saiba já.

Ainda assim, houve tempo para falar um pouco sobre The Empire of Fear - uma "escolha difícil", segundo o moderador, Rogério Ribeiro, pois "não há muitos livros bons de ficção científica em português". Este, de Stableford, revela-se particularmente interessante ao abordar de uma perspectiva de ficção científica um tema mais ligado à Fantasia e ao sobrenatural, hoje muito em voga: os vampiros. "Stableford dá uma vertente cientifica a um elemento tradicionalmente místico, tratando-o como uma doença sexualmente transmissível", explica João Barreiros. 

Mas, como disse, a sessão acabou por incidir menos sobre o livro e mais sobre o próprio Stableford, autor britânico que João Barreiros conheceu pessoalmente em tempos ("numa livraria de Londres", recorda), tendo-o convidado para vir a dois encontros de ficção científica que decorreram em Cascais (e foi também a Reading jantar com o autor - mas esta história hilariante não a conto por não ser capaz de lhe fazer justiça). "Antes de O Império do Medo, Stableford escrevia space operas muito competentes e divertidas", conta João Barreiros. Foi-lhe recusada a publicação de outros livros do mesmo género - as editoras "sugeriram fantasia épica". O que João Barreiros não estranha: "agora só se publica ficção científica e terror em small presses, e estas edições são mais difíceis de encontrar."

Os problemas que o género atravessa no mercado editorial não são estranhos para João Barreiros. Para além de escrever, também dirigiu várias colecções de ficção científica ao longo dos anos, e as peripécias são mais do que muitas - de problemas editoriais a dificuldades de tradução, pode-se dizer que aquelas colecções (hoje praticamente desaparecidas, infelizmente) viram quase tudo aquilo que podemos imaginar. A história sobre o tradutor de Hyperion, de Dan Simmons, que transformou as treeships dos Templars em simples naves espaciais por o conceito não lhe fazer sentido, é particularmente delirante - e, como resultado desse e de muitos outros percalços, a tradução nunca chegou a ser publicada. E esta é apenas uma de muitas histórias, das várias que o autor contou naquele fim de tarde.

"A ficção científica começou a desaparecer na década de 90, e hoje em dia está 'estrangulada' pela fantasia", considera João Barreiros, relembrando vários exemplos de séries literárias que acabaram por não ser publicadas na íntegra em Portugal. "Tinham extraterrestres", comenta, referindo-se aos livros que se seguiram a Altered Carbon, de Richard Morgan. Na colecção que organizou na Gradiva, tentou publicar a trilogia Sprawl, de William Gibson, mas apenas Neuromancer acabou por chegar às lojas. "A fantasia é o que vende", algo que pode ser explicado pelo público a que se destina e pelas próprias capas das edições. No tema das capas, Luís Filipe Silva - que estava na assistência - relembrou a importância das colecções de ficção científica no mercado editorial por terem sido as primeiras a utilizarem capas ilustradas, tal como na tradição americana - algo que contrastava com o tipo de capas que habitualmente se publicava no mercado português, mais sóbrias e minimalistas.

Sobre a ficção científica portuguesa, João Barreiros lamenta que alguns autores não estejam actualmente a escrever - como Luís Filipe Silva e João Seixas, por exemplo, que (ainda) não deram continuidade ao projecto A Bondade dos Estranhos, previsto em formato de trilogia. 

Para concluir a tertúlia, o Rogério pediu a João Barreiros que - e muito ao estilo da sua já tradicional sessão do Fórum Fantástico - deixasse aos presentes algumas sugestões de leitura na ficção científica. Os "cinco livros" propostos acabaram por se revelar bem mais do que cinco, com as sugestões a incidirem sobre a obra de Peter F. Hamilton, Alastair Reynolds, Ian McDonald, Ian MacLeod (Light Ages) e Brian D'Amato.

O Clube de Leitura Bertrand do Fantástico entra agora em "férias", regressando na primeira Sexta-feira de Outubro. Entretanto, devem ser anunciados os livros das próximas sessões (um pouco para evitar que muitos dos presentes não tenham lido o livro em debate, como aconteceu desta vez). Darei conta disso assim que houver novidades.

Logo de seguida teve lugar a Tertúlia Noite Fantástica, no restaurante Chez Degroote - um jantar bem animado, com muita conversa sobre o Fantástico (e não só). 

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