1 de junho de 2012

Discworld: Equal Rites

No mundo de Discworld, o oitavo filho de um oitavo filho é, invariavelmente, um feiticeiro (se um feiticeiro tiver um oitavo filho a coisa dá para o torto, mas essa história fica para mais tarde). Os feiticeiros sabem, com alguma antecipação, quando vão morrer - e antes que a Morte os venha buscar pessoalmente, é tradição passarem o seu bordão a um oitavo filho de um oitavo filho recém-nascido. 

Esta premissa é o ponto de partida de Equal Rites (1987), o terceiro livro da série Discworld de Terry Pratchett. Com o objectivo de passar o seu bordão de feiticeiro ao oitavo filho de um oitavo filho antes de morrer, o feiticeiro Drum Billet desloca-se até à aldeia de Bad Ass, nas montanhas Ramtops, onde poderá encontrar uma criança com essa característica invulgar.  Claro que estamos em Discworld - naquele mundo plano e circular assente em quatro elefantes gigantes às costas da tartaruga cósmica Great A'Tuin as coisas não podem ser assim tão simples - e só quando já está com a Morte à perna é que Billet repara que o oitavo filho do oitavo filho não é exactamente um filho, mas uma filha. Detalhe: em Discworld, as mulheres não podem ser feiticeiras, apenas bruxas. 

Sendo demasiado tarde para anular a passagem do bordão, Billet passa mesmo o seu poder para a jovem rapariga - Eskarina Smith (Esk), filha do ferreiro da aldeia. Naturalmente, desde tenra idade Esk revela um poder que não consegue explicar - muito menos controlar. Compreendendo o que se passou, a bruxa local, Esme "Granny" Weatherwax (que se tornou numa personagem recorrente na série, a par de Rincewind, da Morte e de Sam Vimes), decide levar a jovem Esk para a grande cidade de Ank-Morpork, onde fica a Unseen University - a academia dos feiticeiros. Que, nos seus incontáveis anos de história, nunca recebeu estudantes do sexo feminino… 

A começar logo pelo título, Equal Rites é uma divertida paródia de Terry Pratchett à igualdade de géneros (ou falta dela), através da personagem de Esk e das suas tentativas para controlar um poder que, de acordo com todas as convenções, não devia possuir. Equal Rites introduz Granny Weatherwax, uma velha bruxa cujo poder é apenas igualado pela sua irascibilidade, que tenta fazer com que a jovem Esk aprenda um poder que ela não só desconhece, como encara com suprema desconfiança - e, através dela e de Esk, ilustra o contraste entre duas vertentes opostas da magia naquele universo: a masculina, mais efusiva e repleta de "truques", e a feminina, mais dada à subtileza (Granny Weatherwax define-a, muito apropriadamente, como "headology").

Para não fugir à regra, Equal Rites é mais uma aventura hilariante no mirabolante universo de Discworld, de Terry Pratchett. Nota-se, em comparação com os livros anteriores (The Colour of Magic e The Light Fantastic), uma evolução interessante na narrativa e no estilo, com uma maior coesão narrativa, em detrimento da verdadeira sucessão de sarilhos que caracteriza as duas primeiras histórias de Rincewind (não que me queixe - Rincewind é uma gargalhada ambulante). Vou provavelmente repetir isto em todos os textos que escrever sobre os livros de Discworld, mas aqui vai: Equal Rites é, acima de tudo, uma leitura muito divertida. Quem quiser ler boa fantasia com muito humor, não precisa de ir mais longe.

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