30 de março de 2012

Quem for original que atire a primeira pedra

Uma das modas mais recentes da Internet - deve tornar-se meme em breve - é diminuir o filme The Hunger Games (adaptação do romance homónimo de Suzanne Collins) ao considerá-lo uma cópia do filme Battle Royale (adaptado do romance homónimo de Koushun Takami). É claro que surgem piadas engraçadas - o 9gag está cheio delas. Já vi The Hunger Games (review em breve), não vi - ainda - Battle Royale, e não li nenhum dos livros - mas suspeito de que muita gente que anda a fazer piadas também não (passe o cinismo). De qualquer forma, não é esse o ponto.

É perfeitamente possível que Suzanne Collins se tenha inspirado em Battle Royale para escrever The Hunger Games. E a verdade é que não há mal nenhum nisso - a literatura é feita de reciclagem, hoje mais do que nunca. Aplicando o critério rígido segundo o qual The Hunger Games é uma cópia de Battle Royalle, então Inception mais não seria do que uma imitação de Paprika. Ghost in the Shell mais não seria do que uma versão recauchutada e animada de Blade Runner. Mais de metade de toda a high fantasy escrita em literatura, cinema ou videojogos desde 1960 mais não seria do que um plagio da obra de Tolkien. E, se quisermos sair do Fantástico - qual é o livro ou o filme sobre o tema da vingança que não vá beber directamente a O Conde de Monte Cristo?

A verdade é que Inception e Paprika partem de uma ideia comum - é possível entrar nos sonhos - para fazerem dois filmes bastante diferentes que, em comum, têm aquela ideia inicial (pessoalmente, gosto mais da abordagem de Paprika). Da mesma forma, Ghost in the Shell e Blade Runner são dois filmes diferentes, mesmo que no primeiro se note claramente a influência do segundo. Universos tão distintos como Dungeons & Dragons e Warcraft (e tantos outros) foram de facto beber a Tolkien, mas criaram os seus próprios mundos e as suas próprias mitologias. E o velho tema da vingança a que O Conde de Monte Cristo alude serviu de inspiração a obras tão diversas - e tão boas - como V for Vendetta ou Oldboy.

É certo que estamos todos fartos de franchises, remakes, sequelas e prequelas, mas convém não confundir inspiração e influência com plágio - são coisas radicalmente diferentes. A originalidade hoje passará mais pela capacidade de dar uma nova forma ou um novo sentido a elementos que nos são familiares do que pela possibilidade de criar algo completamente novo - mas aqui já a conversa se torna demasiado filosófica. No fundo, quem resumiu muito bem a coisa foi Philip Pullman, nos agradecimentos de The Amber Spyglass:

I have stolen ideas from every book I have ever read. My principle in researching for a novel is "Read like a butterfly, write like a bee", and if this story contains any honey, it is entirely because of the quality of the nectar I have found in the work of better writers.

Nem mais.

2 comentários:

Rita Santos disse...

Ainda não vi Hunger Games mas vi o Battle Royale, por isso, quando leio a sinopse do primeiro é tipo sirene na minha cabeça. Cópia, cópia, cópia. Mas não interessa. Vale por isso próprio, tem mérito por isso próprio. De resto não sei como é possível alguma vez apresentar uma estória totalmente original. Com tanta literatura, enfim... É complicado. No entanto, a autora diz que nem sequer sabia da existência do Battle Royale. Ai sim, é que considero a coisa estranha. De resto, não vou criticar o que não vi nem li.

João Campos disse...

Não é tão estranho quanto isso. Posso estar enganado, mas julgo que Battle Royale nunca passou nos Estados Unidos.